São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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MISSÃO NO HAITI

Comandante Heleno afirma que EUA, Canadá e França querem que soldados do Brasil ajam com mais força

"Recebo pressão por violência", diz general

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O comandante da missão da ONU no Haiti, o general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, afirmou ontem que sofre pressões de países como os Estados Unidos, Canadá e França para ser mais "robusto na utilização da força" como forma de controlar a situação no país, que entrou em sua mais recente crise após a queda de Jean-Bertrand Aristide em fevereiro.
Também ontem, o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) fez duras críticas aos países desenvolvidos, que estariam mais preocupados com os problemas do Haiti que podem afetá-los, como o tráfico e ondas migratórias, do que com a nação caribenha em si.
Heleno, que participou de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, disse que vem resistindo à opinião desses países, que teriam uma concepção de força de paz diferente da do Brasil -esta é a maior missão envolvendo militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial.
"Recebo muita pressão para usar a violência, para ser mais robusto na utilização da força, principalmente dos países mais interessados na área e cuja atuação de força de paz difere da nossa", afirmou o general, enquanto exibia um slide com os nomes dos Estados Unidos, Canadá e França, além da inscrição "outros países" e "população local" como integrantes do grupo de pressão.
Segundo ele, sua atuação tem sido de ponderação. "Sou expert em utilizar a violência, sou pago para utilizar institucionalmente a violência, mas, se extrapolar, sei que serei cobrado por meu próprio país", declarou.
A missão das Nações Unidas no país caribenho, aprovada em abril, conta atualmente com um contingente militar estrangeiro de 4.790 soldados, sendo que a maior força, com 1.198 integrantes, pertence ao Brasil.
Na comissão da Câmara, o general afirmou que espera contar até o final do ano com os 6.100 soldados previstos inicialmente na formação da força de paz e pediu aos congressistas que aprovem o envio de mais uma infantaria brasileira, com 365 homens, e uma companhia de engenharia, com mais 150 soldados.

"Canção de ninar"
Sobre o tiroteio que ocorreu próximo ao local que recebia anteontem a visita do secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, Heleno afirmou que tudo não passou de coincidência.
"Aquela favela é brava [se referindo a Bel Air, em Porto Príncipe, capital do Haiti]. Tive informações que a Polícia Civil jordaniana reagiu pomposamente a alguns tiros e houve aquela barulhada. Mas barulho de fogo faz parte da canção de ninar das criancinhas de lá, não houve nada de mais", afirmou.
O general fez uma ampla exposição da atual situação social, econômica e comportamental que vê no Haiti, afirmando, entre outras coisas, que há uma convivência "harmônica" entre a população e o lixo. Ele cobrou a efetivação dos programas humanitários no país, que estariam presos a entraves burocráticos, como forma de a ação militar ter efeito.
"Os projetos de desenvolvimento não decolam, essa é minha grande briga desde que cheguei lá", afirmou, explicando que os países cobram mais segurança para iniciar os projetos. "Defendo que a realização dos projetos aumentará a segurança", disse, acrescentando que essa é uma posição defendida pelos países sul-americanos.
Heleno não quis opinar sobre o tempo em que as tropas brasileiras devem permanece no país caribenho, mas disse que declarações de que o Brasil abandonará o Haiti se a situação se agravar não têm o seu respaldo. "Se depender de mim, o Brasil não vai sair se a situação se agravar. Estou ali para correr riscos e gosto de correr riscos", disse.
Por fim, o general apontou que há outro grande problema a ser enfrentado: o desarmamento e inserção social dos ex-militares, além do enfrentamento a grupos rebeldes e criminosos, ações que estariam sendo dificultadas pelo fato de a ONU não permitir que suas missões desenvolvam serviços de inteligência.
Sobre os ex-militares, Heleno disse que o problema é mais grave, já que eles contam com simpatia popular, o que dificulta qualquer tentativa de atuação.


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