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ORIENTE MÉDIO
Dividido entre satisfazer demandas de outros países e manter apoio popular, Assad perde força política
Jogo duplo expõe fraqueza do governo sírio
MICHAEL SLACKMAN
DO "THE NEW YORK TIMES", EM DAMASCO
As autoridades sírias vêm afirmando há anos que fecharam todas as representações das facções
palestinas que operam na capital
da Síria, como exigem os EUA e os
países europeus. Elas dizem que
todos os grupos deixaram o país:
Hamas, Jihad Islâmico, Frente
Popular para a Libertação da Palestina e outros. Mas, em outubro,
o presidente Bashar al Assad promoveu uma reunião com os líderes de todas as facções para pedir
unidade entre os palestinos -e,
segundo participantes do encontro, prometer a remoção de parte
das restrições ao trabalho político
feito desde Damasco.
"Seria ilógico convocar uma
reunião pública e depois dizer que
nossas representações estão fechadas", disse Abu Ahmed Fouad
no escritório da Frente Popular,
no centro de Damasco.
Há décadas os líderes sírios vêm
jogando uma espécie de jogo duplo, assegurando ao mundo que
os escritórios de representação
palestina estavam fechados e, ao
mesmo tempo, autorizando as organizações a montar suas representações em "apartamentos".
A estratégia funcionou bem para o pai de Bashar e seu antecessor, Hafez el Assad, que freqüentemente conduzia suas batalhas
por procuração, ao mesmo tempo
em que tentava utilizar a influência da Síria sobre os grupos palestinos como trunfo de barganha
para promover sua agenda.
Mas essa mesma estratégia agora expõe publicamente um pouco
da fraqueza e da indecisão do governo. Diante da investigação da
ONU sobre o assassinato do premiê libanês Rafik Hariri (1992-98
e 2000-04) -uma crise que
ameaça solapar o círculo governante sírio- a liderança síria voltou a agir como de costume, recorrendo a um discurso ao estilo
da Guerra Fria e confiando quase
exclusivamente num apelo ao
conceito do nacionalismo árabe
para obter apoio regional.
A crise mostra que os esforços
de Assad para introduzir tecnocratas jovens e progressistas no
governo fracassaram e que a Síria
se encontra isolada. E, o que talvez
seja visto por muitos sírios mais
jovens e adeptos de reformas como ainda mais perturbador, ela
deixou claro até que ponto a liderança síria é capaz de ignorar o
que acontece à sua volta.
Por exemplo, depois que o Conselho de Segurança da ONU exigiu que a Síria coopere com a investigação em torno de Hariri,
muitas pessoas na Síria disseram
ter ficado chocadas ao ouvir da
boca do chanceler Farouk al Sharaa que declarar que as forças sírias sabiam do assassinato de antemão seria como afirmar que os
EUA soubessem sobre o 11 de Setembro de antemão.
Os sírios, em sua grande maioria, parecem estar convencidos de
que a investigação está sendo utilizada pelo Ocidente para obrigar
o governo Assad a dobrar-se a
suas vontades. Mas essa idéia não
se traduz em apoio ao governo ou
à maneira como ele vem reagindo
à investigação. O pior, segundo
pessoas na Síria, é que a crise começou a mudar a percepção que a
população tem de seus líderes,
abalando sua confiança na capacidade da liderança não apenas de
revidar aos ataques mas até mesmo de sobreviver.
"O regime se encontra ferido
em seu escalão mais alto, menor e
mais fechado", disse um analista
político sírio que há anos coopera
com o poder sírio, mas que pediu
anonimato por temer revides.
De acordo com ele, há uma discussão em curso dentro do círculo de poder. De um lado estão os
conservadores interessados em
preservar o papel da Síria na região, seu hábito de agir por meio
de representantes, como o Hezbollah no Líbano, e seu apoio à
causa palestina. Do outro, um
grupo menor que quer proteger a
força do país, tomando medidas
para acalmar os críticos e melhorar a situação interna nos âmbitos
político, econômico e social.
Neste momento, diz, os setores
conservadores parecem prevalecer. Para ele, é difícil saber onde o
presidente se situa na discussão.
Quando Assad chegou ao poder, cinco anos atrás, ele se fez
acompanhar de jovens com anos
de instrução, muitos vindos do
exterior, que estavam ansiosos
por fazer seu país ingressar na
modernidade econômica e política. Hoje quase todas essas pessoas
já se foram, e as que restaram foram marginalizadas. Curiosamente, a crise provocada pelo assassinato de Hariri parece ao mesmo tempo ter fortalecido os conservadores e, num sentido mais
amplo, enfraquecido-os.
Ouve-se com freqüência em Damasco que a população estaria
disposta a suportar sanções e isolamento internacional se o governo enfrentasse problemas por sua
posição em relação à causa palestina ou por suas posições relativas
ao Iraque, mas não em função do
caso Hariri.
Muitos representantes do governo vêm dizendo que foram enganados por Detlev Mehlis, o promotor alemão que chefiou a investigação sobre Hariri. Vários
disseram ter ficado chocados
quando Mehlis afirmou que a Síria não cooperou.
Autoridades disseram que, durante os dois dias que passou na
cidade, Mehlis em nenhum momento expressou insatisfação. Para elas, o promotor alemão preparou a situação para parecer que a
Síria não cooperou.
"O senhor quer cooperação plena? Exatamente o que o senhor
quer?", perguntou um representante sírio próximo do presidente
que pediu para não ser identificado. "Fizemos o que acreditávamos ser cooperar plenamente,
sem ouvir nenhuma objeção da
parte da equipe de Mehlis. Eles
não registraram nem uma só objeção. Então o que é cooperação?"
Existe em Damasco alguma solidariedade com a posição síria.
Diplomatas ocidentais admitem
que o país deu alguns passos para
satisfazer as exigências internacionais, tais como endurecer os
controles em suas fronteiras para
prevenir a passagem de militantes
e armas para o Iraque e incentivar
os palestinos em Damasco a
apoiar a Autoridade Palestina e a
não patrocinar ações militantes
no Líbano, na Cisjordânia ou na
faixa de Gaza.
Mesmo para os diplomatas, porém, tentar decifrar o que os líderes palestinos de fato pretendem é
um pouco como ler folhas de chá.
Tradução de Clara Allain
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