São Paulo, sexta-feira, 04 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Novo câmbio" argentino é coisa do passado

ÉRICA FRAGA
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a adoção do câmbio múltiplo, os argentinos ressuscitaram um regime cambial que o Brasil, como outros países da América Latina, abandonou nos anos 60. Para economistas ouvidos pela Folha, o sistema pode ajudar o país a reduzir os impactos da desvalorização. Mas dizem que, cedo ou tarde, a Argentina terá que abandoná-lo, deixando a moeda flutuar livremente.
Uma das vantagens de adotar o câmbio múltiplo, para analistas, é que ele reduz os impactos da desvalorização que o peso enfrentará. Fixando uma taxa de câmbio para, por exemplo, o pagamento da dívida pública interna, o governo garante que ela não explodirá quando o câmbio desvalorizar.
"Ele cria um deságio para o pagamento da dívida. Não será tão problemático porque o mercado já esperava alguma perda", diz René Garcia, economista da Fundação Getúlio Vargas.
A maioria dos economistas diz que, a essa altura, os argentinos não têm muitas saídas e que a decisão foi acertada. Mas fazem ressalvas. O economista Carlos Tadeu, diretor do Corecon-RJ (Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro), lembra que o governo pode não ter reservas para defender o câmbio fixo por muito tempo. "O governo precisaria de um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para dar fôlego às reservas."
O professor Otaviano Canuto, da Unicamp, diz que o sistema funcionava relativamente bem quando o fluxo de capitais entre os países não era tão intenso. Sem controle de capitais, afirma, não seria possível manter o sistema múltiplo por muito tempo. "Mesmo porque os agentes econômicos, aos poucos, vão descobrindo formas de driblar as restrições."
Todos lembram que o regime de câmbio múltiplo cria distorções. No Brasil, onde o sistema vigorou entre 1953 e 1964, fraudes tornaram-se comuns.
O sistema foi uma das políticas de incentivo à industrialização. Os governos davam subsídios para alguns setores por meio de taxas de câmbio diferenciadas. Assim, a taxa de câmbio para importação de trigo e máquinas era mais barata do que a taxa para importação de bebidas ou de produtos cuja produção interna o governo queria incentivar.
Na década de 50, chegaram a existir, por exemplo, mais de 12 taxas de câmbio para exportação.
O regime de câmbio múltiplo ajudou a industrializar alguns países da América Latina, mas foi crescentemente associado à corrupção. "A falsificação de guias de importação tornou-se comum", diz Tadeu, do Corecon.
O sistema também era criticado pelo FMI e por economistas liberais, que afirmam que qualquer tipo de subsídio pode criar distorções que tornam as economias menos competitivas.
No Brasil, o regime foi extinto em 1964, quando os economistas Roberto Campos e Octávio Bulhões unificaram o câmbio.


Texto Anterior: País dá calote em juros da dívida externa
Próximo Texto: "Chiche" critica Suprema Corte
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.