São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Conservador veterano vira "centrista" na campanha da França

Presidente de partido da base governista, ex-ministro François Bayrou desafia bipolaridade da política francesa

Conquistando eleitores em comícios no interior do país, o presidenciável da UDF ameaça tirar a candidata socialista do segundo turno

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

François Bayrou, 55, é por enquanto a única grande surpresa da campanha presidencial francesa. Ele aparece em terceiro lugar em todas as pesquisas e ameaça com seu crescimento a segundo colocada, a socialista Ségolène Royal.
Poderá disputar o segundo turno com o candidato do bloco de centro-direita, Nicolas Sarkozy, a quem a seguir derrotaria -e faria o mesmo com Ségolène, segundo o instituto BVA.
O primeiro turno das eleições é em 22 de abril; o segundo turno, em maio.
Bayrou não chega a ser um desconhecido. Já havia disputado as eleições presidenciais de 2002. Chegou na quarta colocação, com 2 milhões de votos (6,8%). Tanto quanto agora, apresentou-se como um "centrista", sem vínculos com a esquerda ou com a direita do presidente Jacques Chirac.
Mas não é bem assim. Ele foi ministro da Educação entre 1993 e 1997, em governos chefiados por Édouard Balladur e Alain Juppé, do mesmo bloco que Chirac e Sarkozy. É deputado na Assembléia Nacional desde 1988, com exceção de um curto triênio com mandato no Parlamento Europeu. Seu partido, a UDF (União pela Democracia Francesa), integra a base parlamentar do premiê Dominique de Villepin, embora ele tenha pessoalmente votado algumas vezes contra o governo.
Por tática ou convicção, Bayrou passou a considerar a UDF, da qual é presidente desde 1999, uma espécie de terceira via liberal. O partido, criado pelo ex-presidente Valery Giscard d'Estaing (1974-1981), talvez até tivesse essa vocação. Mas a bipolarização da política francesa tem sido mais forte que a debilidade das ideologias. A UDF transporta o conservadorismo em seu código genético.
Mas Bayrou é um personagem singular. Não tem a sofisticação dos intelectuais ou tecnocratas parisienses. É um letrado do interior. Nasceu no sudoeste, perto da fronteira com a Espanha. Formou-se em literatura e passou no dificílimo concurso da "agrégation", espécie de cátedra do secundário.
Aos 23 anos já lecionava e tomava conta da pequena propriedade rural da família. É católico praticante, casado e tem seis filhos e dez netos.
Num país que valoriza a erudição, é bem-visto porque publicou uma dezena de livros e é um dos biógrafos do rei francês Henrique 4º (1598-1610) -que, pelo Édito de Nantes, deu liberdade de culto aos protestantes.
Consome muita literatura e poesia. E também gosta muito de cavalos. Tem um haras na pequena fazenda que herdou.
Esse conjunto de atributos não justifica suas crescentes intenções de voto. Sua candidatura cresceu com pequenos comícios de província. Os eleitores acreditam que ele sabe ouvir.
Se eleito, promete governar possivelmente com a coalizão centrada na UDF, nos socialistas e na UMP, remotamente herdeira de Charles de Gaulle.
Essa "união entre contrários", já existente na Itália, quebra tabus muito sólidos na política francesa depois de 1958, data da Constituição da 5º República. É algo sedutor, mas também gera temores.
Bayrou se identifica com o eleitorado politicamente correto, adversário do racismo e da restrição aos direitos dos gays.
Ele também vende a imagem de uma França que não precisaria mexer na rede de proteção trabalhista para enfrentar de modo competitivo a globalização -intenção atribuída a Sarkozy.
Bayrou é um caso muito recente para se tornar objeto de livros e ensaios. Mas já é, no mínimo, um caso interessante.


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