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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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EUA fomentam extremismo islâmico, diz professor

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

A invasão do Iraque -e a reação do governo americano após os atentados de 11 de setembro de 2001- fomentam, embora de forma não intencional, o extremismo islâmico e o apelo a um "jihad" contra os EUA.
É o que diz o professor Mark Juergensmeyer, diretor do programa de Estudos Globais e Internacionais da Universidade da Califórnia, especialista em terrorismo religioso. Ele é autor do livro "Terror in the Mind of God: The Global Rise of Religious Violence" (O Terror na Mente de Deus: O Crescimento Global da Violência Religiosa), publicado pela editora da Universidade da Califórnia em 2000 (revisada neste ano).
Leia entrevista concedida por telefone à Folha.
 

Folha - Saddam Hussein divulgou mensagem nesta semana na qual fez um forte apelo ao "jihad", embora seu regime seja historicamente laico (não religioso). Que efeito terá no Iraque e no Oriente Médio?
Juergensmeyer -
O apelo ao "jihad" pode ser ouvido não porque tenha sido feito por Saddam, em quem muçulmanos militantes não confiam, mas porque a agressão americana é vista como uma violação do solo muçulmano.

Folha - O sr. acha que haverá ataques suicidas em grande escala?
Juergensmeyer -
Não acho que haja, no momento, uma paixão religiosa no Iraque e pelo Iraque a tal ponto. Logo, não acho que ataques suicidas serão usados como uma técnica para defender o país. Mas poderá haver um encorajamento de ataques suicidas não para proteger Saddam, mas para se opor ao invasor estrangeiro. Estamos numa situação curiosa em que o presidente dos EUA, George W. Bush, poderá estar fomentando uma reação islâmica extremista. Se você analisa a ideologia de Osama bin Laden [líder da rede Al Qaeda, responsável pelos atentados de 11 de setembro], ela se sustenta na idéia de que os EUA são uma potência global beligerante que força seu caminho mundo afora. Quanto mais os EUA agirem dessa maneira, mais crescerá o apoio ao extremismo. Embora de forma não intencional, os EUA estão dando credibilidade a Osama bin Laden.

Folha - Não é intencional, mas o governo dos EUA está bem ciente de que isso aconteceria.
Juergensmeyer -
É verdade. Pessoas como eu, que estudam o extremismo muçulmano, alertaram sobre essa possibilidade. O apelo ao "jihad" terá maior ou menor eco dependendo da duração da guerra e do que acontecerá depois. Se os EUA transferirem a tarefa de estabilizar o Iraque a uma força de paz da ONU e estruturarem uma administração civil iraquiana o mais rápido possível, as chances de que ocorra diminuem.

Folha - Assim como Saddam, Bush também cita Deus em seus pronunciamentos sobre a guerra. Que análise o sr. faz da conotação religiosa do conflito entre os dois?
Juergensmeyer -
Foi uma grande surpresa para mim a resposta do governo dos EUA após o 11 de setembro. Antes, os EUA viam os ataques terroristas islâmicos como criminosos, mas não como atos de guerra cometidos por uma rede terrorista global poderosa. Mas o mais perturbador é que os EUA passaram a adotar uma retórica similar à de Bin Laden. Bush dividiu o mundo em termos absolutos -preto e branco, bem e mal, verdade e escuridão. Essa é a visão da Al Qaeda do mundo, e é muito perturbador ver os EUA adotarem essa lógica. Espero que essa lição seja aprendida.


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