UOL


São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A guerra, vista por um general egípcio


Na versão do general Billal, principal comentarista da mídia árabe, a coalizão combate em um "pântano", onde civis vêm sendo mortos sem discriminação


JAMES DRUMMOND
DO "FINANCIAL TIMES"

As redes norte-americanas têm Norman "Stormin" Schwarzkopf e as britânicas dispõem de Peter Cordingley. Mas o general a quem o mundo árabe vem escutando como especialista militar predileto é Muhammed Ali Billal, que comandou as forças egípcias na Guerra do Golfo, em 1991.
O general Billal aparece pelo menos uma vez por dia, às vezes duas, no canal via satélite pan-árabe Al Jazeera, oferecendo sua análise sobre a situação no campo de batalha iraquiano.
As opiniões expostas por comentaristas como o general Billal contribuíram para uma opinião quase que diametralmente oposta sobre a guerra, nos países árabes, àquela que os Estados Unidos e o Reino Unido defendem. Trata-se agora de uma guerra na qual as forças da coalizão combatem em um "pântano", e onde civis vêm sendo mortos indiscriminadamente.
O general Billal não trata da questão do que é certo e errado no conflito, mas sua análise do campo de batalha não combina com a visão emanada do Comando Central norte-americano, no Qatar.
Por exemplo, ele não se deixa impressionar pelo argumento de que as máscaras contra gás e trajes protetores encontrados pelas forças da coalizão no sul do Iraque significam que o ditador Saddam Hussein dispõe de armas de destruição em massa.
"Todo Exército no mundo tem trajes de proteção contra a guerra química. Nós os temos. Vocês não acham que, se Saddam Hussein tivesse armas químicas ou biológicas, ele já as teria usado, a essa altura? As tropas britânicas e norte-americanas avançam sem parar por seu país", diz o general Billal, na sucursal da Al Jazeera no Cairo.
Outros especialistas sugeriram que as forças paramilitares iraquianas que estão combatendo nas cidades do sul do Iraque esgotarão sua munição e outros suprimentos em questão de semanas. O general Billal não tem tanta certeza. "Elas são agora parte integral do Exército regular iraquiano. Dispõem dos mesmos recursos, com acesso aos mesmos arsenais. Terão suprimentos para combater por pelo menos três meses", diz.
Agora reformado no Exército egípcio, o general Billal dirige uma empresa privada de segurança no norte do Cairo. No momento, vem sendo muito procurado como comentarista, e as pessoas o reconhecem nas ruas do Cairo. Suas fontes preferidas de informação e para formar julgamentos são a BBC e a própria Al Jazeera.
Ele diz abertamente que não gosta de Saddam, mas tampouco expressa pleno apoio aos Estados Unidos. Durante o último conflito no Golfo, os comandantes norte-americanos costumavam economizar na honestidade ao manter contatos com seus aliados árabes, afirma.
"Os Estados Unidos só fornecem informações a quem eles determinam que precise delas. Na última Guerra do Golfo, informavam aos sauditas que tal e tal batalhões iraquianos estavam posicionados de determinada maneira. No dia seguinte, informavam que fora transferido para tal lugar. Nós [os egípcios] sabíamos que não era possível que aquele batalhão tivesse se movido tão depressa entre os dois locais mencionados. E éramos capazes de ouvir as comunicações iraquianas, porque empregávamos os mesmos sistemas, soviéticos", disse.
Como muitos analistas militares, ele atribui o progresso lento nas cidades do sul do Iraque ao fato de que os xiitas do país não se rebelaram, como os analistas de inteligência haviam previstos. Ele atribui essa atitude ao "sentimento nacionalista", despertado pela invasão estrangeira. A análise dele quanto ao possível resultado da guerra é igualmente intransigente.
"Minha previsão é que as forças norte-americanas e britânicas, ou seus governos, imporão seus objetivos ao Iraque mesmo que isso envolva causar imensos danos ao povo e à infra-estrutura iraquianos", disse o general Billal.
"Os Estados Unidos e o Reino Unido declararam que libertarão o Iraque. Mas libertar o Iraque quer dizer libertar o povo iraquiano. A entrada em Bagdá não acontecerá dessa maneira. Estamos vendo um número imenso de baixas civis e testemunhando de que maneira o pessoal [militar britânico e norte-americano] trata os iraquianos em campo", disse. "Eles estão matando sem distinção", afirmou.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Autor do "Choque e Pavor" vê incerteza no pós-guerra
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.