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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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Autor do "Choque e Pavor" vê incerteza no pós-guerra


As forças que temos em campo são suficientes para ganhar a guerra de maneira decisiva. A ironia, porém, é que elas não serão suficientes para a paz


LUIS PRADOS
DO "EL PAÍS", EM MADRI

Harlan K. Ullman, autor da doutrina "Choque e Pavor", adotada pelo secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, no Iraque, considera que a estratégia americana está certa, se o objetivo é somente bater o inimigo, mas expressou dúvidas sobre o pós-guerra.
"Rumsfeld está certo. As forças que temos em campo são suficientes para ganhar a guerra de maneira decisiva. A ironia, porém, é que elas não serão suficientes para a paz", afirmou Ullman, em entrevista ao jornal "El País", por e-mail.
Ullman não é apenas teórico militar. Ele foi piloto da Marinha americana e participou de 150 missões de combate no Vietnã antes de lecionar na National War College, onde teve como aluno o atual secretário de Estado, Colin Powell. Seu livro "Shock and Awe" (choque e pavor), de 1996, escrito em colaboração com James P. Wade, despertou o entusiasmo de Rumsfeld.
Além disso, derrubou do pensamento estratégico americano a chamada "doutrina Powell", que dizia que os EUA somente se lançariam num conflito militar se transferissem para o teatro de operações uma "força insuperável" e tivessem muito claro tanto o objetivo quanto a estratégia de saída.
 

Pergunta - Em que consiste a estratégia "Choque e Pavor"?
Harlan Ullman -
O conceito surgiu em 1996, quando nos vimos diante do problema de como vencer uma futura operação Tempestade no Deserto não em seis meses e com meio milhão de soldados, mas em poucas semanas ou meses e com uma força menor.
O objetivo era vencer de maneira rápida e decisiva e ao menor custo possível em termos de vidas e de destruição.
Para isso, "Choque e Pavor" procura, mediante o uso de todo o nosso poderio físico e psicológico, fazer com que o inimigo se sinta tão vulnerável e intimidado por nossa capacidade que qualquer resistência lhe pareça inútil.
O objetivo da estratégia é atingir a vontade, a percepção e o comportamento do adversário.

Pergunta - Hiroshima seria um exemplo de choque e pavor?
Ullman -
O uso de armas nucleares nunca foi a intenção dessa estratégia, mas a capacidade de transformar a resistência suicida em rendição passiva é seu exemplo supremo. Os japoneses abandonaram a luta porque não podiam compreender a sequência de um plano, uma bomba e adeus a uma cidade inteira. Aquilo foi choque e pavor, sim. Mas o que nós propomos é usar uma força muito menor, e não contra civis. Logo, não é o caso de traçar comparações falsas.

Pergunta - O Pentágono está seguindo sua estratégia no Iraque?
Ullman -
O Pentágono revelou essa estratégia para chegar à desintegração rápida do regime de Saddam. Depois, a guerra começou antes do que estava planejado, e tanto o público quanto a imprensa interpretaram mal a idéia, vendo o bombardeio como parte de uma campanha para aterrorizar Bagdá, e não para expulsar seus líderes. Prometeu-se choque e pavor, mas seus efeitos ainda não foram observados. Em lugar disso, parece que Saddam será derrubado com uma combinação de ataques por terra e ar, que já funcionou tão bem no passado.

Pergunta - O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, errou ao empregar tão poucas tropas no Iraque?
Ullman -
Rumsfeld está certo. As forças que temos em campo são suficientes para ganhar a guerra de maneira decisiva. A ironia, porém, é que elas não serão suficientes para a paz. O campo de batalha moderno, por razões tecnológicas óbvias, é menos denso e exige menos forças. Mas o oposto é verdade quando se trata de operações de manutenção da paz. Portanto, quando a guerra terminar, serão necessários muitos e muitos soldados.

Pergunta - O sr. acredita que Saddam vá usar armas de destruição em massa?
Ullman -
Acho que não, mas, se ele o fizer, isso não será surpresa. Ele sabe que elas teriam efeitos mínimos. Dado que sua estratégia é resistir e que ,para refrear os EUA, será necessário a ajuda da opinião pública mundial e grande número de mortos, o uso de armas químicas ou biológicas não o ajudaria.


Tradução de Clara Allain


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