São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

D. Cláudio dá largada do debate sucessório

Em entrevista, arcebispo de SP e cotado para suceder a João Paulo 2º cita temas que deverão ser chave na escolha do novo papa

Dimitar Dilkoff/France Presse
Católicos rezam perto de estátua de João Paulo 2º do lado de fora de igreja em Czestochowa, na Polônia, terra natal de João Paulo 2º


DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O jornal "Corriere della Sera" atribuiu ontem o cardeal, dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, o primeiro lance "interessante" para o conclave que elegerá o substituto do papa João Paulo 2º. Foi a entrevista do cardeal em que sugere um papa que ajude a igreja a "conduzir um diálogo com a ciência", a enfrentar "o desafio da pobreza e da exclusão" e a continuar "o diálogo com outras religiões".
Por que interessante? Simples: a maioria dos especialistas em Vaticano acredita que a eleição não seja uma questão de nomes, mas de temas. Ou, como diz um desses peritos, o italiano Giancarlo Zizola, trata-se de escolher "que papa para qual igreja".
Dom Cláudio tocou, de uma vez só, em três dos temas em torno dos quais se definirão os cardeais para só depois, em tese, escolher o homem que está mais apto a defendê-los: o envolvimento social da igreja, as questões éticas e morais (concretamente aborto, eutanásia, controle da natalidade, pesquisa com células-tronco) e o diálogo com outras religiões, que, no entanto, é menos importante porque é relativamente consensual hoje na igreja.

Descentralização
Embora o tema ético e moral seja o de maior impacto na opinião pública, especialmente a partir da enorme atenção despertada pela agonia da doente vegetativa norte-americana Terry Schiavo (que morreu na semana passada, na Flórida, após extensa batalha judicial), os especialistas dizem que o primeiro ponto na agenda dos cardeais será o da descentralização da igreja.
Ou, posto de outra forma, mais poder aos bispos e às conferências episcopais nacionais e menos poder à Cúria Romana, em cujas mãos o papa João Paulo 2º depositou um controle quase absoluto.
Parece uma questão de economia interna da igreja, de interesse apenas para religiosos e os fiéis mais envolvidos no trabalho eclesial. Falsa impressão. É um tema que acaba cruzando com todos os demais.
Prova-o discurso do cardeal Carlo Maria Martini, então arcebispo de Milão, durante o Sínodo dos Bispos da Europa, em 1999.
O cardeal, à época um "papabili", cobrou um sistema de consultas "colegiado" entre bispos em torno "da posição das mulheres na sociedade e na igreja, a participação dos leigos em algumas funções ministeriais, a sexualidade, a disciplina do casamento, a prática da penitência, as relações com as igrejas ortodoxas irmãs e a necessidade de trabalhar a relação entre democracia e valores, entre leis civis e leis morais".
Um elenco enorme de questões delicadas, mas que estão sendo discutidas diariamente à margem da cúpula da igreja.

Quatro favoritos
Se for correta a visão de que a inclinação por um dado tema (no caso, a descentralização) for o caminho para a escolha do futuro papa, quatro nomes passam a compor a lista de favoritos:
1) Godfried Danneels, arcebispo de Malines-Bruxelas (Bélgica);
2) Cormac Murphy-O'Connor, arcebispo de Westminster (Reino Unido);
3) Mario Francesco Pompedda, prefeito do Supremo Tribunal Apostólico, italiano; e
4) José da Cruz Policarpo, patriarca de Lisboa (nessa hipótese, seria o primeiro papa de língua portuguesa).
Se os temas ético-morais parecem os mais importantes, embora não os primeiros na agenda dos cardeais, caiu do primeiro plano a questão do envolvimento social da igreja, de que dom Cláudio é um dos principais paladinos.
Ninguém é contra o envolvimento social da igreja. Ao contrário, todos falam em defesa dos pobres e marginalizados. O problema é que não há mais, praticamente, cardeais de uma linha mais agressiva, próxima da Teologia da Libertação, decapitada por João Paulo 2º.
Por isso mesmo, sumiu a linha divisória entre "progressistas" e "conservadores" que era a principal disputa interna quando o polonês Karol Wojtyla foi eleito em 1978. Hoje, ainda há "conservadores" -e muitíssimos-, mas o rótulo refere-se aos temas doutrinários, não a questões políticas. E "progressistas", sempre em matéria de doutrina, passaram a ser apenas "moderados".
(CLÓVIS ROSSI)


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