São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A MORTE DO PAPA

Idéias e homens que definirão o novo papa

Fama, projeção política e teológica e capacidade de comunicação são traços valorizados para a escolha; tendência de centralizar ou descentralizar gestão também será avaliada

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Pouco mais de 20 homens devem chamar a atenção dos 117 cardeais que vão escolher o papa. Mas, nos meses de agonia de João Paulo 2º, as listas de "papáveis" vieram se fechando ao ponto de os vaticanistas mais midiáticos limitarem as candidaturas mais fortes a não mais que meia dúzia.
No entanto, são tantas as considerações que vão nortear a escolha que qualquer um dos vinte e poucos nomes de maior projeção pode vir a ser o novo santo padre.
Quais são essas considerações? Fama e projeção religiosa, pastoral, política e teológica. Numa reunião de 117 personalidades complexas, é difícil que cada cardeal conheça em detalhe as características de cada um dos colegas.
As idéias sobre os problemas da igreja e os grandes temas da doutrina católica serão critérios decisivos para refinar a seleção dentre os candidatos de maior projeção: daqueles cujos pontos de vista mais expressam preocupações maiores do colégio cardinalício
Articulação política. Alguns "grandes eleitores", entre eles muitos papáveis, vão organizar debates informais e discretos durante o encontro aberto da congregação dos cardeais, antes do conclave, a fim de projetar seus preferidos. Quando começarem as votações, ficará um pouco mais claro quais candidatos receberão um veto informal, por não conseguirem maioria expressiva ou serem muito divisivos, e quais serão conduzidos aos turnos finais.
É na combinação dessas variáveis e no cruzamento de ideal religioso-político e traços de personalidade que os cardeais desenharão o perfil do próximo papa.

Traços pessoais
João Paulo 2º modificou, em 1996, as regras para a eleição do papa. Essa mudança pode ter como conseqüência a vitória clara de uma tendência sobre a outra, em vez da escolha de um nome consensual. O santo padre pode vir a ser eleito por metade mais um dos votos, em vez da maioria de dois terços que regia a eleição. Mas pode ser ainda que os cardeais pensem que uma tal escolha pode acentuar divisões na Igreja Católica.
Capacidade de comunicação em uma igreja mundializada e sujeita aos imperativos midiáticos é importante. Falar bem o italiano é essencial (o papa é o bispo de Roma), assim como o óbvio inglês. Quanto mais talento lingüístico, melhor, tanto para exercer o pontificado como para ter bom trânsito entre os eleitores, que vêm de mais de 60 países.
Não convém ainda que o papa seja uma figura por demais introvertida e incapaz de lidar com as solicitações de mídia e multidões. Gravidade é essencial, mas frieza é inconcebível, assim como excessiva liberalidade no trato. Combinar um ar de serena autoridade com muita compaixão e manifesto amor e calor cristãos é o ideal.
Nacionalidade ainda é um aspecto importante, porém cada vez mais secundário e relativo em um colégio cardinalício tão mundializado, extenso e dividido em termos geográficos. A imprensa italiana, os muitos cardeais de nacionalidade italiana e a Cúria, a burocracia da igreja em Roma, podem tender a preferir um papa italiano. De resto, o papa é, e daí deriva sua primazia e autoridade, o bispo de Roma.
Mas a Cúria também se internacionalizou desde o pontificado de Paulo 6º e ainda mais sob João Paulo 2º. Seu peso no colégio de cardeais, assim como o dos italianos, foi bastante reduzido.
Há uma ligeira tendência de papados longos serem sucedidos por papados de curta duração. Logo, depois de João Paulo 2º, eleito aos 58 anos, os cardeais prefeririam escolher um papa mais idoso, de pontificado mais curto, quando então a Igreja Católica refletiria sobre quais rumos deve seguir no longo prazo, rumos que seriam definidos pelo sucessor do sucessor de João Paulo 2º.
Quanto à política, na Igreja Católica e em um conclave, trata-se de palavra com muitos significados. O papa será conservador ou liberal? Mas conservador ou liberal em que assuntos? Doutrina, política social, moral? Decerto, cada um dos cardeais está mais ou menos próximo do que a política laica chama de esquerda ou direita. Pode ser mais aberto para temas como justiça social, ou ser mais preocupado com assuntos da fé, os matizes neste caso são tantos quanto os cardeais.

Tendência administrativa
Mas um cardeal pode ser mais imperial ou aceitar mais descentralização (colegialidade, em termos eclesiásticos). Ou pode ser mais imperial em termos de doutrina e mais liberal em termos de liturgia e administração etc.
O próximo papa pode ser mais aberto às reivindicações laicas sobre sexo, bioética, celibato -liberal. Neste caso, certamente trata-se de um papa mais liberal também em questões doutrinais, litúrgicas e, provavelmente, políticas e administrativas. Seria o caso mais inequívoco do rótulo liberal, senão o único. Mas tal radicalidade é improvável devido a seu caráter divisivo e pela sua ameaça à doutrina e à tradição.
Muito importante é o caráter corretivo, por assim dizer, do conclave. Na eleição, os cardeais vão se preocupar com as ênfases e indiferenças excessivas do falecido papa. O centralismo imperial de João Paulo 2º pode ser atenuado por um papa mais adepto da colegialidade. Outros preferirão um papa que se preocupe mais com a administração burocrática da igreja, outro traço mais débil do mais recente pontificado.


Texto Anterior: Roleta papal: Arcebispo de Milão é favorito em apostas
Próximo Texto: Maioria dos italianos é de conservadores
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.