São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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DE VOLTA PARA CASA

Poloneses querem o enterro no país

Ainda que remota, possibilidade de o papa ser enterrado em sua terra natal comove população

ROZANE MONTEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM WADOWICE

A cidade em que nasceu o papa João Paulo 2º, Wadowice, no sul da Polônia, espera ansiosa a abertura hoje, em Roma, de seu testamento -se ele realmente o tiver sido redigido. Embora a expectativa seja a de que ele será mesmo sepultado no Vaticano, fiéis que lotaram ontem a praça que leva o nome do papa, durante missa em sua memória, emocionaram-se ao imaginar a possibilidade de ele ter desejado ser enterrado em seu país.
Iwona Ossowska, 27, advogada, fez questão de explicar detalhadamente que o fato de os papas serem enterrados em Roma é mais que uma tradição católica. É, segundo ela, uma formalidade da qual não se pode fugir, já que o Vaticano é um Estado, "por mais que os poloneses possam desejar que o túmulo de João Paulo 2º fique para sempre no país em que ele nasceu." Iwona mal conseguiu terminar a explicação. Seus olhos se encheram de lágrimas: "Ele era nosso papa. O papa polonês".
Segundo a advogada, outra possibilidade seria a de que João Paulo 2º fosse enterrado em Roma, e seu coração, na Polônia. "Essa opção não me agrada". Mas Iwona lembrou que isso foi o que aconteceu, por exemplo, com Frédéric Chopin. O compositor polonês morreu em Paris.
A prefeita de Wadowice, Eva Filipiak, também se emocionou ao imaginar a possibilidade de João Paulo 2º ser enterrado na Polônia. Cautelosa, disse que preferia esperar para se manifestar. "A Igreja Católica nunca se esquecerá da Polônia. Nunca se esquecerá do jeito polonês de lidar com a fé".
Eva Filipiak foi à praça João Paulo 2º com integrantes do governo municipal de Wadowice para inaugurar uma escultura em bronze do rosto do papa, colocada na entrada da basílica.
Aos pés do monumento, eles acenderam velas e colocaram flores. O choro que se ouviu logo após o anúncio da morte de João Paulo 2º, no sábado à noite, deu lugar ontem a orações. No primeiro domingo sem o papa, Wadowice rezou unida numa manhã de clima agradável, com a brisa suave balançando as várias bandeiras da Polônia com fitas pretas em sinal de luto.
Bem perto da prefeita, estava Halina Kulbacka, 57, que organizou três maratonas de Wadowice a Roma só para homenagear o papa -são 1.500 km, mas os maratonistas fizeram paradas pelo caminho. "Eu queria mostrar que nós iríamos a ele até a pé", disse Halina. A primeira das "maratonas peregrinas" aconteceu em 1998 e contou com a participação de 25 pessoas.
A imagem da chegada a Roma nunca vai sair da memória de Halina. Ela contou que, quando soube que os maratonistas de Wadowice estavam chegando, João Paulo 2º foi à janela e perguntou: "Onde estão aqueles corredores? Eu quero aqueles corredores". "Foi inacreditável. Todos os fiéis que estavam na praça São Pedro foram abrindo caminho, e nós passamos. Depois, ele nos recebeu e agradeceu", lembrou.
Não foi a primeira vez que ela se encontrou com o papa. Ainda menina, foi crismada por ele. E, quando era adolescente, fez parte de um grupo de estudantes com quem o então bispo de Cracóvia, Karol Wojtyla, queria conversar. Eram os tempos do comunismo, e o encontro não foi visto com bons olhos pelas autoridades locais. Também não agradou às autoridades a primeira visita que ele fez, depois de eleito papa, à sua cidade, em 1979. Halina era professora.
"Eles falaram que nós tínhamos de trabalhar e que os alunos tinham de ir à escola. Não é um absurdo? Tinha de ser feriado na cidade. Nós ignoramos a ordem e fomos todos para a rua receber nosso papa. Espalhamos flores em seu caminho. Nunca vou me esquecer."
As autoridades não tomaram nenhuma providência contra a desobediência em massa, e Halina acha que foi porque acharam que seria "um pouco demais" criar confusão com um homem que tinha acabado de ser eleito o líder mundial da Igreja Católica.


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