São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / QUESTÃO DE FÉ

Para teólogo, democrata e religioso vêem países distintos

"Discurso de Wright deve ser analisado sob ótica religiosa"

DE WASHINGTON

Leia a seguir trechos da conversa de Dwight Hopkins, especialista em teologia negra e teologia da libertação negra da Universidade de Chicago, com a Folha. Autor de ensaios sobre cultura a religião, o acadêmico é pastor batista nos EUA e pretende votar no democrata Barack Obama. (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - Por que o reverendo Jeremiah Wright voltou a falar agora?
DWIGHT HOPKINS
- A maior parte da mídia norte-americana não tem conhecimento suficiente sobre a igreja negra nos EUA e sua imbricação com a política. É por isso que faz perguntas políticas a Wright. O reverendo reaparece agora mais para limpar seu nome como líder religioso, o de sua igreja e o de sua fé. Ajuda muito a entender sua reação se pensarmos do ponto de vista religioso, não político.

FOLHA - Mas a conseqüência de seu ato foi e está sendo política, não? Uma delas foi o rompimento público por parte de Barack Obama.
HOPKINS
- O problema são as biografias. Os dois homens têm duas histórias de vida, experiências e personalidades diferentes. O pai de Obama era da África, sua mãe, uma mulher branca de Kansas. Os dois se encontraram no Havaí, que é um dos lugares mais multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos dos EUA. É nesse ambiente que Obama cresceu.
Sua opinião sobre o que os americanos são é baseada em interações multiculturais, esperança de pessoas vivendo juntas. Já Wright é um pastor de terceira geração, que cresceu ouvindo falar de escravidão, dos 40 acres e uma mula que foram prometidos aos negros libertos. Cresceu na parte negra da Filadélfia na época do assassinato de Martin Luther King, da ascensão dos Panteras Negras, trabalhou na campanha pela eleição do primeiro prefeito negro de uma cidade grande nos EUA. Ele vê o país não pelo que o país pode ser, mas pelo que viveu. Eles vêem dois países diferentes.

FOLHA - Daí o discurso.
HOPKINS
- Sim, acho que ele estava genuinamente ofendido, porque aquele país de que fala o reverendo Wright, que existe, não é o país em que viveu Obama, que também existe, ou pode existir. Nesse sentido, ele representa uma nova geração de líderes negros, multiculturais e birraciais. O "DNA deles" é diferente do dos líderes negros de velha guarda como Wright, que vêem a Constituição como um papel que diz que os negros são três quintos de uma pessoa, enquanto Obama vê como um grande documento com um pecado original. Você percebe a diferença?

FOLHA - Essa diferença de biografias teria levado Obama a achar que ele conseguiria levar esse processo eleitoral até o fim sem trazer ao centro do palco a questão a raça, como defendem alguns analistas?
HOPKINS
- Não, mas levou ao rompimento dos dois. Wright acha que todo negro que disputa um cargo público tem de basear seu programa na "plataforma negra", enquanto Obama acha que o caminho é pensar nos problemas gerais da população americana, entre eles a desigualdade racial. É o que passa a sensação às pessoas de que ele é o candidato de todos ante, historicamente, por exemplo, o reverendo Jesse Jackson, que era um candidato dos negros. Mas não se iluda: ambos lidam com a questão racial, mas sob maneiras histórica e cronologicamente diferentes de encará-la.

FOLHA - Por fim, o sr. acha que esse distanciamento dos dois vai mais ajudar Obama ou prejudicá-lo no longo prazo?
HOPKINS
- Vai prepará-lo para o futuro, pelo menos.


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