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SUCESSÃO NOS EUA / QUESTÃO DE FÉ
Para teólogo, democrata e religioso vêem países distintos
"Discurso de Wright deve ser analisado sob ótica religiosa"
DE WASHINGTON
Leia a seguir trechos da conversa de Dwight Hopkins, especialista em teologia negra e teologia da libertação negra da
Universidade de Chicago, com
a Folha. Autor de ensaios sobre cultura a religião, o acadêmico é pastor batista nos EUA
e pretende votar no democrata
Barack Obama.
(SÉRGIO DÁVILA)
FOLHA - Por que o reverendo Jeremiah Wright voltou a falar agora?
DWIGHT HOPKINS - A maior parte
da mídia norte-americana não
tem conhecimento suficiente
sobre a igreja negra nos EUA e
sua imbricação com a política.
É por isso que faz perguntas políticas a Wright. O reverendo
reaparece agora mais para limpar seu nome como líder religioso, o de sua igreja e o de sua
fé. Ajuda muito a entender sua
reação se pensarmos do ponto
de vista religioso, não político.
FOLHA - Mas a conseqüência de
seu ato foi e está sendo política,
não? Uma delas foi o rompimento
público por parte de Barack Obama.
HOPKINS - O problema são as
biografias. Os dois homens têm
duas histórias de vida, experiências e personalidades diferentes. O pai de Obama era da
África, sua mãe, uma mulher
branca de Kansas. Os dois se
encontraram no Havaí, que é
um dos lugares mais multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos dos EUA. É nesse ambiente que Obama cresceu.
Sua opinião sobre o que os
americanos são é baseada em
interações multiculturais, esperança de pessoas vivendo
juntas. Já Wright é um pastor
de terceira geração, que cresceu ouvindo falar de escravidão, dos 40 acres e uma mula
que foram prometidos aos negros libertos. Cresceu na parte
negra da Filadélfia na época do
assassinato de Martin Luther
King, da ascensão dos Panteras
Negras, trabalhou na campanha pela eleição do primeiro
prefeito negro de uma cidade
grande nos EUA. Ele vê o país
não pelo que o país pode ser,
mas pelo que viveu. Eles vêem
dois países diferentes.
FOLHA - Daí o discurso.
HOPKINS - Sim, acho que ele estava genuinamente ofendido,
porque aquele país de que fala o
reverendo Wright, que existe,
não é o país em que viveu Obama, que também existe, ou pode existir. Nesse sentido, ele representa uma nova geração de
líderes negros, multiculturais e
birraciais. O "DNA deles" é diferente do dos líderes negros de
velha guarda como Wright, que
vêem a Constituição como um
papel que diz que os negros são
três quintos de uma pessoa, enquanto Obama vê como um
grande documento com um pecado original. Você percebe a
diferença?
FOLHA - Essa diferença de biografias teria levado Obama a achar que
ele conseguiria levar esse processo
eleitoral até o fim sem trazer ao centro do palco a questão a raça, como
defendem alguns analistas?
HOPKINS - Não, mas levou ao
rompimento dos dois. Wright
acha que todo negro que disputa um cargo público tem de basear seu programa na "plataforma negra", enquanto Obama
acha que o caminho é pensar
nos problemas gerais da população americana, entre eles a
desigualdade racial. É o que
passa a sensação às pessoas de
que ele é o candidato de todos
ante, historicamente, por
exemplo, o reverendo Jesse
Jackson, que era um candidato
dos negros. Mas não se iluda:
ambos lidam com a questão racial, mas sob maneiras histórica e cronologicamente diferentes de encará-la.
FOLHA - Por fim, o sr. acha que esse
distanciamento dos dois vai mais
ajudar Obama ou prejudicá-lo no
longo prazo?
HOPKINS - Vai prepará-lo para o
futuro, pelo menos.
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