São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / O PASTOR E O CANDIDATO

Prévias-chave testam dano de reverendo à base de Obama

Eleitorado negro ameaça rachar ante polêmica de Jeremiah Wright e reação do senador

Resultado nas primárias em Indiana e Carolina do Norte, na terça, pode alimentar a idéia de que Hillary é mais viável mesmo estando atrás


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Até poucos dias atrás confortável na posição de favorito para a vaga de candidato de seu partido na sucessão de George W. Bush, o senador democrata Barack Obama tem nesta terça o teste mais sério desde sua disparada diante da ex-primeira-dama Hillary Clinton. Depois de amanhã, os dois se enfrentam nas prévias eleitorais nos dois maiores Estados em número de delegados partidários dos sete que ainda faltam votar.
Em Indiana, 72 delegados em jogo, a senadora lidera por 6,2 pontos percentuais na média, segundo o site agregador de pesquisas Real Clear Politics. O único instituto a indicar empate entre os democratas é o Zogby. Uma vitória acachapante nesse Estado de maioria branca e operária poderia levar o pêndulo para o lado de Hillary -mesmo estando a senadora bem atrás em número de delegados partidários conquistados- e dar impulso a seu argumento de que ela é mais elegível do que Obama ante a cúpula do partido, que, em última instância, pode decidir a disputa.
Mas a Carolina do Norte é mais simbólica. Com mais delegados em jogo (115) e um em cada três eleitores negro, o Estado sulista virou uma questão de honra para o senador. Perder lá seria a pá de cal. Nos últimos dias, Obama viu sua vantagem nas pesquisas locais passar de mais de 20 pontos percentuais para os atuais 8,2, segundo o Real Clear Politics.

Pastor
O responsável pela incrível encolha dos números tem nome e sobrenome: Jeremiah Wright. Nem o pastor aposentado de 67 anos nem suas opiniões radicais são estranhos à maioria do eleitorado negro, a base primeira e sobre a qual a candidatura de Obama se construiu anos atrás. É a reação do senador à rodada mais recente de exposição na mídia de seu ex-conselheiro e amigo de vários anos que ameaça alienar parte desse universo fiel.
Na terça passada, na mesma Carolina do Norte, o democrata deu declarações em que se distanciava inequivocamente do líder religioso. Fez isso depois de um fim de semana em que Wright não falou nada de novo, mas reafirmou suas posições mais polêmicas, como a de que a aids teria sido criada pelo governo norte-americano para destruir a população negra.
Pelo ato, Obama foi aplaudido por muitos líderes negros, mas criticado por outro tanto também. Não há pesquisas no Estado que determinem o estrago -ou a ajuda- decorrente do imbróglio. Mas, dos 65 mil novos eleitores negros que se registraram para votar nos últimos 12 meses na Carolina do Norte, dois terços o fizeram depois de 15 de março, no auge da primeira exposição de Wright.
"O pastor Wright estava certo em reaparecer para limpar seu nome", disse à Folha Dwight Hopkins, da Universidade de Chicago, especializado em teologia negra e teologia da libertação negra, a mesma do reverendo. "Nós é que estamos errados em politizar um discurso que é eminentemente religioso." Para o acadêmico, o problema está no divórcio entre o passado dos dois líderes.
"Obama defende um discurso tão multicultural quanto sua biografia", disse Hopkins (leia entrevista na pág. A21). "Já o reverendo Wright é filho de um pastor da geração de Martin Luther King, na qual a palavra de ordem era a luta por direitos iguais. Por um capricho do destino também, se as biografias dos dois não tivessem se cruzado, Obama não existiria."
Outro ponto de discussão é o "timing" do religioso. Por que voltar a falar agora, em que seu apadrinhado está mais frágil, depois da derrota na Pensilvânia, há duas semanas, e de acusações de que é elitista, iniciadas após um comentário pouco feliz sobre os hábitos dos operários daquele Estado? "Erra quem pensa que ele tem um motivo secreto", disse à Folha David Mendell, autor de "From Promise to Power" (da promessa ao poder, 2007).
"Wright é um independente", defende o autor da biografia mais isenta de Obama até agora. "Além disso, é bom que isso tenha acontecido agora. Imagine o estrago se seus discursos surgissem só em setembro ou se ele saísse em "media tour" mais perto das eleições."


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