São Paulo, Sexta-feira, 04 de Junho de 1999
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ANÁLISE
Acuado, Milosevic tenta agora se manter no poder


PHILIPPA FLETCHER
da "Reuters", em Belgrado

O presidente iugoslavo Slobodan Milosevic aceitou os termos da paz em Kosovo porque não teve outra escolha.
A opinião é de analistas políticos para quem os mais de dois meses de bombardeios da Otan estavam ameaçando sua capacidade de manter-se no poder.
E é o desejo de conservar-se no poder que atuou como força motriz de todas as suas decisões políticas durante seus dez anos no governo.
Mas a paz que parece estar muito próxima encerra muitas incertezas para o país. Ontem, nova divergência veio dividir os partidos políticos iugoslavos, que se uniram no repúdio aos bombardeios da Otan.
A divergência foi manifestada pelo ultranacionalista Partido Radical, que fez oposição acirrada ao plano de paz durante a sessão do Parlamento que terminou por aceitá-lo.
Muitos temem que o governo de Milosevic possa cair não por causa do conflito de Kosovo, mas num choque entre sérvios.
O vice-premiê Vojislav Seselj, que representa um dos lados possíveis nessa disputa, ameaçou abandonar o governo se tropas da Otan forem autorizadas a entrar em Kosovo.
O principal bloco oposicionista pediu a realização de eleições na Sérvia após o término do conflito.
O Partido Democrático, o maior da oposição, disse que a decisão de aceitar o plano de paz chegou tarde demais."Essa decisão deveria ter sido tomada há muito tempo, antes da guerra começar."
Mas a mensagem passada pela imprensa estatal foi diferente. Um anúncio feito pelo Partido da Esquerda Unida (PEU), liderado pela mulher de Milosevic, serviu de exemplo típico.
"O PEU vê como resultado positivo da resistência o fato de que Kosovo vai permanecer parte da Iugoslávia e que uma missão da ONU virá à Província para garantir a paz."
Milosevic, que concordou com o plano submetido a Belgrado pelos enviados ocidental e russo -sob a ameaça de uma guerra terrestre e de seu indiciamento por um tribunal internacional- pode agora decidir que chegou o momento de voltar-se ao Ocidente.
Um sinal de que ele escolheu esse caminho poderia ser o retorno ao governo de Vuk Draskovic, o arqui-rival de Seselj, demitido durante os bombardeios por criticar o regime.
O ex-líder oposicionista Draskovic está interessado em voltar à elite governante, e algumas fontes em Belgrado acreditam que Milosevic poderá decidir que chegou a hora de deixar Seselj de lado.
Mas é pouco provável que o Ocidente ceda a gestos conciliatórios de Milosevic. A reação ocidental à aceitação por Belgrado do acordo de paz também foi cautelosa, em função do hábito que tem o líder iugoslavo de dar menos do que promete.
A reação unificada iugoslava aos ataques aéreos deveu-se ao fato de que mesmo os adversários mais acirrados de Milosevic eram contra os ataques, afirmando que a repressão política que os acompanharia faria a democracia retroceder anos no país.
A República de Montenegro, cujo governo é pró-ocidental, teme que possa tornar-se a próxima vítima. "Faz parte da lógica de Milosevic, para conservar-se no poder, concluir uma crise e dar início a outra", disse o ministro da Justiça de Montenegro, Dragan Soc. "Depois de Kosovo, tememos que chegue nossa hora de sofrer."


Tradução de Clara Allain


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