São Paulo, Sexta-feira, 04 de Junho de 1999
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PAZ CELESTIAL
No 10º aniversário do massacre de Tiananmen, PC teme o seu futuro e sufoca o pequeno movimento pró-democracia
Fantasma da democracia ronda a China

JAIME SPITZCOVSKY
Editor de Mundo

O Partido Comunista chinês vai atravessar o limiar do século 21 perseguido pelo fantasma de ser o patrocinador do maior massacre, nas últimas décadas, de um movimento pró-democracia. Os herdeiros de Mao Tse-tung continuam a descartar reformas democratizantes, mas as aceleradas mudanças em curso na sociedade chinesa sugerem a irrupção de um fantasma ainda mais assustador para o PC: o fim de seu monopólio do poder.
Há exatamente dez anos, em 4 de junho de 1989, o Partido Comunista chinês recorria às armas para esmagar um movimento pró-democracia que ousou questionar o ""poder imperial" iniciado com o triunfo, em 1949, da revolução liderada por Mao Tse-tung.
Em 89, o movimento estudantil, embrião dos protestos que tomaram a praça Tiananmen (Paz Celestial) em Pequim, aproveitou-se das rachaduras que apareceram então na fortaleza comunista. Havia um clima de liberalização, provocado pelas reformas econômicas desenhadas para injetar capitalismo na economia e tirar a China da armadilha da pobreza.
Essa alquimia capitalismo-comunismo não foi imaginada para derrubar o PC. A idéia era rejuvenescer a economia para garantir a permanência dos comunistas no poder, arrefecendo a pressão do colapso da economia planificada.
Para usar um jargão caro à tradição chinesa, a elite comunista tirou uma ""lição histórica" dos eventos de Tiananmen. Percebeu ser necessário priorizar a ""estabilidade ao desenvolvimento econômico".
Portanto, a palavra de ordem para o Partido Comunista é ""manter a estabilidade". Após sinais de uma tímida democratização no começo de 1998, o presidente Jiang Zemin deslanchou uma nova onda de repressão contra o diminuto movimento de dissidentes que ainda sobrevive no país.
Ontem, a polícia prendeu, em diversas cidades, 15 ativistas pró-democracia. A repressão e a fraqueza do movimento de dissidentes garantem a manutenção de um ""clima de tranquilidade" no país.
O governo, enquanto mantém doses cavalares de capitalismo na economia, aperta o cerco aos dissidentes, afia a censura e sinaliza não querer correr riscos. Seu comportamento é a sugestão mais evidente de que, mesmo num país com uma milenar cultura de autoritarismo, o avanço da urbanização, o surgimento de uma classe média reivindicante e de uma sociedade civil organizada desembocam numa democratização inevitável.
No caso chinês, embora inevitável, a introdução de um sistema político pluralista não deve ocorrer na velocidade observada, por exemplo, na Polônia ou mesmo na Rússia pós-comunismo.
Primeiro, porque o PC faz de sua sobrevivência no poder o item que norteia suas decisões. Vai então resistir, talvez até com armas, aos ventos democratizantes.
Em segundo lugar, a China coleciona um desenvolvimento histórico refratário a correntes de pensamento ocidentais que valorizam a democracia representativa ou a liberdade de expressão. A principal expressão da filosofia chinesa é o confucionismo, que, com sua defesa do conceito de autoridade, serviu de base ideológica para regimes ditatoriais.
Em 1997, a China recuperou o controle de Hong Kong, depois de 156 anos de colonialismo britânico. O evento histórico suscitou a pergunta: num futuro próximo, a China autoritária estará mais parecida com a recém-democratizada Hong Kong ou vice-versa?
A China vai seguir o caminho de Hong Kong. Apenas fica impossível arriscar um calendário para essa chegada tardia da democracia.


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