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São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2003

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ANÁLISE

"Estilo Berlusconi" não funciona na UE

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O arrependimento expressado pelo premiê italiano, Silvio Berlusconi, a seu colega alemão, Gerhard Schröder, por seu infausto comentário sugerindo que um eurodeputado social-democrata alemão pudesse desempenhar o papel de um nazista num campo de concentração fictício atenua a primeira crise da recém-inaugurada presidência italiana da UE (União Européia), porém não dissipa os temores dos críticos -ou nem tanto- do magnata italiano.
Não é nenhuma surpresa que o caráter explosivo do premiê italiano gere crises diplomáticas. Em 2001, pouco depois do 11 de Setembro, ele declarou que o Ocidente deveria "ter consciência da superioridade" de sua civilização. No início do mês passado, afirmou que a França tinha perdido "uma boa oportunidade" de manter-se calada em referência às críticas que recebera por não ter-se reunido com líderes palestinos durante uma visita a Israel.
Todavia ligar um político alemão ao nazismo, mesmo ironicamente, como disse o gabinete de Berlusconi em nota divulgada ontem, é algo impensável na cena diplomática. Aliás, qualquer alusão ao passado nazista da Alemanha tem graves repercussões no país, cuja população é hoje majoritariamente pacifista, segundo pesquisas realizadas anualmente.
Em setembro de 2002, a então ministra da Justiça alemã, Herta Däubler-Gmelin, comparou os métodos de George W. Bush aos de Adolf Hitler e perdeu seu lugar no gabinete de Schröder.
Mas as maiores preocupações referem-se aos críticos seis meses em que a Itália presidirá a UE. Até o final de 2003, todos os 25 atuais ou futuros países-membros do bloco deverão aprovar o projeto de Constituição apresentado pela Comissão sobre o Futuro da Europa durante a cúpula de Tessalônica, na Grécia, em junho.
Caberá, portanto, ao país que responde pela presidência buscar unir os europeus, visando um consenso nada evidente em alguns casos, como o da reavaliação do peso de cada Estado nas diversas instituições do bloco.
Ora, nesse contexto, o primeiro discurso de Berlusconi foi um péssimo presságio. Ademais, seu obscuro pedido de desculpas, em que diz que foi mal interpretado pela audiência e ofendido pelo eurodeputado alemão Martin Schulz, não melhora a situação.
Teme-se ainda que seu caráter imprevisível e as trapalhadas por ele provocadas possam ofuscar os outros objetivos da presidência italiana, como a retomada do crescimento econômico, o controle da imigração ilegal e o fortalecimento da Política Externa e de Segurança Comum (Pesc).
Por conta das graves divergências geradas pela Guerra do Iraque entre os 15 atuais membros da UE, a Pesc está mais ameaçada do que nunca. E a França, a Alemanha e a Bélgica já acenam com a possibilidade de conceber uma política externa comum que só seria aplicada aos três países.
Além disso, há o risco de Berlusconi levar à presidência européia seu estilo de governo, privilegiando objetivos pessoais ou da Itália. Vale lembrar que não se trata de um posto em que os Estados devam buscar vantagens específicas.
Em tese, a meta de qualquer presidência européia é fazer avançar o bloco. Neste momento crítico -antes de uma histórica expansão ao leste do continente-, resta esperar que o susto inicial sirva de lição ao premiê italiano.


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