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Morre Soljenitsin, dissidente soviético, aos 89
Crítico da polícia secreta e dos campos de trabalho, que retratou em "O Arquipélago Gulag", sofreu parada cardíaca em Moscou
Expulso da URSS em 1974, Nobel de Literatura de 1970 só retornou 20 anos depois; ultranacionalista, recebeu medalhas de Putin e Ieltsin
DA REDAÇÃO
O escritor e dissidente soviético Alexander Soljenitsin, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1970, morreu no final da noite de ontem aos 89
anos, em Moscou, vítima de
uma parada cardíaca. Encarcerado por mais de dez nos campos de prisioneiros políticos da
extinta União Soviética -os gulags-, ele relatou em seus livros o horror que vivenciou,
tornando-se o mais famoso dissidente do regime comunista.
Nascido em 11 de dezembro
de 1918, Soljenitsin estudou física e matemática na Universidade Rostov e se tornou oficial
do Exército em 1941, após a invasão nazista. Depois de criticar a forma como o ditador Josef Stálin (1922-1953) conduziu
a guerra, foi enviado aos campos de trabalho forçado.
Em 1962, durante o degelo
pós-stalinismo, publicou "Um
Dia na Vida de Ivan Denisovich", romance em que descreve a vida nesses campos. Mas
logo passou a ser alvo da censura e sua expulsão do país foi
consumada em 1974, depois
que sua obra mais famosa, "O
Arquipélago Gulag", monumental radiografia das prisões
stalinistas, foi editada em Paris.
Após se radicar em Vermont,
nos EUA, tornou-se um ícone
da resistência ao comunismo,
mas seu fervor religioso e seus
ataques ao capitalismo o tornaram incômodo. Henry Kissinger, então secretário de Estado
americano, aconselhou o presidente Gerald Ford (1974-1977)
a não encontrá-lo.
Anistiado pelo último presidente soviético, Mikhail Gorbatchov (1986-1991), Soljenitsin só voltou à Rússia em 1994,
após o fim do comunismo. Recebeu tratamento de herói. Em
1998, o presidente Boris Ieltsin
concedeu a Soljenitsin a Ordem
de Santo André, um dos maiores prêmios culturais do país.
Crítico das reformas liberais
promovidas por Ieltsin, ele recusou, argumentando não poder aceitar "essa honra", pois os
russos "morrem de fome".
Em 2007, foi homenageado
pelo presidente Vladimir Putin
com a entrega de uma das mais
importantes honrarias do país,
a medalha do Estado. Putin era
coronel do KGB, a polícia secreta, quando o escritor foi exilado, mas qualificou Soljenitsin
de "historiador maior", "o primeiro a ter relatado uma das
grandes tragédias soviéticas".
Em seu governo, ele passou a
valorizar a visão que Soljenitsin
tinha da Rússia, como um bastião do cristianismo ortodoxo
com cultura e destino únicos.
Em 1978, em uma palestra
em Harvard, o escritor havia dito: "Qualquer cultura autônoma antiga e profundamente
enraizada [...] constitui um
mundo autônomo, repleto de
enigmas e surpresas para o
pensamento ocidental. Por milhares de anos, a Rússia pertenceu a essa categoria".
Câncer como metáfora
No romance "Pavilhão dos
Cancerosos" (1967), Soljenitsin
trata de um câncer de que padeceu, usando-o como metáfora do stalinismo. "Um homem
tem um tumor e morre - como
então pode sobreviver um país
que deu origem a campos de
concentração e exílios?"
No livro, ataca a cumplicidade dos russos com o regime.
"Todos os professores e engenheiros se tornaram sabotadores -e eles [a população russa]
acreditam nisso?... Todos os
membros da velha guarda de
Lênin se tornaram vis renegados -E eles acreditam nisso?"
A era stalinista, disse Soljenitsin referindo-se a um poema
do Alexander Puchkin, "forçou
os cidadãos soviéticos a escolher entre três papéis: de tirano, de traidor, de prisioneiro".
Depois da morte do egípcio
Naguib Mahfuz, em 2006, Soljenitsin era o mais velho Nobel
de Literatura vivo. No texto que
escreveu para a entrega do prêmio -a que não pôde comparecer- disse que os homens comuns não podem ser coniventes com a mentira, mas "os escritores e artistas têm a obrigação de derrotá-la".
Desde a volta do exílio, o escritor vivia semi-recluso nos
arredores de Moscou. Atacava
sistematicamente o materialismo, o secularismo, os EUA e a
Otan, a aliança militar ocidental, por terem, dizia, "cercado"
a Rússia pós-soviética na tentativa de asfixiar sua soberania.
Seu último livro, "Duzentos
Anos Juntos", de 2001, trata
das relações judaico-russas e
foi acusado por alguns críticos
de ser anti-semita. Ele negou,
dizendo entender "as sutilezas,
a sensibilidade e o bom coração
do caráter judeu".
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