São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cerco aumenta tensão no Cáucaso

STEFAN WAGSTYL
TOM WARNER
DO "FINANCIAL TIMES"

A crise dos reféns numa escola da Ossétia do Norte aumenta as tensões em todo o Cáucaso, uma região marcada por instabilidade, conflitos étnicos e pobreza.
Para a maioria dos russos, Moscou é a potência dominante no Cáucaso, e com razão. Eles lamentam os territórios perdidos com a queda da União Soviética -Azerbaijão, Armênia e Geórgia, especialmente esta última, com a qual a Rússia mantinha vínculos culturais estreitos.
Sob a égide do presidente Vladimir Putin, o Kremlin reafirmou sua autoridade sobre as repúblicas russas do norte do Cáucaso, incluindo a Tchetchênia, única república em guerra separatista contra a Rússia, desde que declarou sua independência em 1991.
Mas o Kremlin teme que, se uma república conquistar a independência, outras poderão começar a reivindicar autonomia maior, ou algo ainda pior.
Os líderes tchetchenos compreendem muito bem a complexa rede política e étnica da região e procuram explorar a situação, levando sua luta para fora das fronteiras da Tchetchênia.
O cerco à escola na Ossétia do Norte teve um precedente sinistro no primeiro grande incidente terrorista causado por tchetchenos: o cerco a um hospital em Buddenovsk, no sul da Rússia, em 1995, que deixou cerca de cem mortos. A maioria das vítimas era de etnia russa. No cerco à escola, a maioria das vítimas é formada por ossetianos, um grupo étnico que, de modo geral, é leal a Moscou.
Os terroristas teriam exigido a libertação de 30 homens detidos após o ataque lançado em junho contra instalações do Ministério do Interior em Nazran, na vizinha Inguchétia, onde morreram 90 pessoas. Os prisioneiros são tchetchenos e inguches -estes têm vínculos estreitos com os tchetchenos mas, de maneira geral, têm se mantido de fora do conflito. Se for descoberto que há inguchétios entre os terroristas que invadiram a escola, esse fato pode assinalar a existência de um novo nível de cooperação entre tchetchenos e inguches.
Também há sinais de intranqüilidade em Kabardino-Balkária, república a noroeste da Tchetchênia, e no Daguestão, onde o controle da república vizinha à Tchetchênia é disputado por clãs adversários. Nesses casos, não há provas de envolvimento tchetcheno.
O analista político georgiano Alex Rondeli comenta: "Hoje é a Ossétia do Norte, com os problemas vindos da Inguchétia e da Tchetchênia. Amanhã poderá ser a Kabardino-Balkária ou o Daguestão. A Rússia não se sente forte na região do norte do Cáucaso. Os problemas ali são muitos".
Para Putin, esses problemas são causados em boa parte pelos tchetchenos e sua capacidade de espalhar a violência pela região, impedindo o desenvolvimento econômico de uma área onde a pobreza impera há anos. A capacidade de ataque dos tchetchenos é intensificada pelo fato de que cerca de dois terços da população hoje vivem fora da Tchetchênia.
Representantes russos já acusaram radicais islâmicos de fomentar sentimentos anti-russos. Desde o 11 de Setembro, Moscou tenta apontar vínculos entre os combatentes locais e a Al Qaeda e outros grupos do Oriente Médio.
Mas os serviços de inteligência ocidentais vêm essas acusações com ceticismo. Um de seus representantes afirmou: "Os terroristas [na escola da Ossétia do Norte] são um grupo de tchetchenos que atuam no Cáucaso. O que os move não é a jihad ou a ideologia islâmica, mas a meta da retirada da Rússia da Tchetchênia".
Sejam quais forem as causas do problema, o Kremlin vai procurar manter o controle na região. Analistas georgianos temem que Moscou adote uma linha mais dura na defesa de seus interesses na Geórgia, onde a Rússia mantém bases militares, apesar de ter prometido retirá-las. Moscou também apoiou administrações separatistas nas repúblicas georgianas da Ossétia do Sul e da Abkházia.
Um cessar-fogo está em vigor na Ossétia do Sul, mas as tensões entre camponeses ossetianos e georgianos na região continuam acirradas. Nesta semana, em Moscou, Putin se reuniu com um candidato na eleição para a presidência da Abkházia. A Geórgia criticou o encontro, qualificando-o como apoio da Rússia ao movimento separatista abkhaz.
Rondeli diz temer que a linha dura russa use a onda de terrorismo para justificar o aumento do apoio aos separatistas na Geórgia.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Terror na Rússia: Fracasso de ação mancha imagem de Putin
Próximo Texto: EUA: Clinton passará por cirurgia no coração
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.