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TERROR NA RÚSSIA
Final caótico e sangrento do cerco à escola põe em xeque autoridade de presidente russo, numa semana de ações terroristas
Fracasso de ação mancha imagem de Putin
MARY DEJEVSKY
DO "INDEPENDENT", EM MOSCOU
O cerco à escola em Beslan chegou ao fim da pior maneira possível. O final foi prolongado, caótico, sangrento e catastrófico não só
para as famílias dos muitos mortos e feridos mas também para o
presidente Vladimir Putin, para
seu governo e para qualquer perspectiva de solução para o conflito
da Tchetchênia no curto prazo.
O ataque chegou a ser visto como uma oportunidade para Putin
e para as autoridades russas se redimirem. Acontecendo, como
ocorreu, logo após a derrubada de
dois aviões russos por terroristas
e após outro ataque a bomba perto do metrô de Moscou, a esperança era que Putin mostraria do
que sua administração é feita, reprimindo duramente os seqüestradores. Mas os russos também
nutriam a esperança de que o cerco terminasse com os culpados
sumariamente punidos, e os inocentes resgatados em segurança.
A captura de um grande número de crianças acabou com os últimos resquícios de simpatia que os
russos pudessem nutrir pela causa tchetchena. No primeiro dia da
ação, chegou a ser promovida
uma manifestação contra o cerco
na capital tchetchena, Grozni.
A reação das autoridades começou de maneira promissora. Putin
prometeu agir com moderação e
expressou sua preferência por
uma solução pacífica. Em iniciativa inusitada, levou o problema até
o Conselho de Segurança da
ONU, obtendo o apoio moral da
entidade e uma declaração que inseriu o separatismo tchetcheno
militante no contexto do terrorismo global. Tudo indicava que Putin estava decidido a adotar uma
abordagem cautelosa e prudente.
A intenção pode ter sido essa.
Mas na noite de ontem ainda não
estava claro se as forças de ação
especial, as Spetsnasz, tinham
montado sua operação seguindo
um plano traçado de antemão ou
se a invasão tinha sido precipitada
por um fato inesperado no interior do prédio. Mas o que aconteceu fez Putin parecer insincero,
incompetente e fraco.
Longe de relegar ao esquecimento as imagens negativas do
cerco ao teatro em Moscou -no
qual morreram 160 pessoas devido ao fracasso dos serviços de
emergência em tratar os reféns
contra os efeitos do gás tóxico-,
a operação em Beslan só fez trazê-las à tona. A operação das forças
russas no teatro foi considerada
um sucesso militar, mas um desastre sob todos os outros aspectos. A operação de ontem parece
ter sido um fracasso estrondoso
sob todos os aspectos possíveis.
Uma operação que visava resgatar os reféns e punir os militantes
tchetchenos chegou a um resultado quase oposto. Além disso,
trouxe à tona uma realidade preocupante: a de que as já conhecidas
deficiências das forças armadas e
dos serviços de emergência russos
ainda não foram resolvidas. A
operação foi malsuprida e malcoordenada, o que reflete mal para o comandante supremo dessas
forças, o próprio Putin.
É inevitável que o resultado da
crise enfraqueça a autoridade do
presidente, que já estava em baixa. Em termos institucionais, Putin nunca esteve mais forte do que
após sua reeleição, em março. As
eleições parlamentares já tinham
dado a seu partido maioria na nova Duma, e Putin tinha indicado
um novo governo sem que o Parlamento contestasse qualquer dos
nomes que ele indicara. A economia russa vai de vento em popa, e
os altos preços do petróleo proporcionaram ao país um superávit orçamentário que possibilita o
aumento dos salários e benefícios
e a melhora do padrão de vida.
Apesar de todas essas vantagens, a gestão Putin vem dando a
impressão de estar à deriva. O caso da Yukos, com o julgamento
por fraude do antigo presidente
da maior companhia petrolífera
do país, provocou temores entre
os empresários russos e investidores estrangeiros. Como se acredita que o julgamento tenha sido
em parte motivado por considerações políticas, também gerou
dúvidas quanto à capacidade de
Putin de fazer da Rússia um país
em que a lei impera.
A nova geração de "kremlinologistas" russos discerne uma luta
entre facções opostas de reformistas e o setor de linha dura, luta essa que paralisa a administração.
Putin é visto pelos mesmos analistas como estando a meio caminho entre os dois grupos, enfraquecido por sua falta de uma base
política forte no Kremlin. É possível que essa avaliação seja muito
pessimista. Não há nenhuma sugestão de que o cargo de Putin esteja em risco. A questão é quão
forte é sua autoridade.
É provável que os acontecimentos de ontem enfraqueçam sua
popularidade e que a confiança
em sua liderança saia prejudicada. Também diminui a confiança
dos russos na capacidade de Putin
de resolver a questão tchetchena.
É improvável que Putin, enfraquecido, mude o modo de enfrentar a questão da Tchetchênia. Ele
não pode dar-se ao luxo de moderar sua posição -e, mesmo que o
quisesse, o público russo, cada vez
mais revoltado, não o permitiria.
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