São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARGENTINA

Governo decide impedir manifestações dos desempregados, depois de convivência pacífica que incluiu oferta de cargos

Kirchner muda e endurece com piqueteiros

MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES

A um mês e meio das eleições legislativas de outubro, que renovarão parte do Congresso, o governo do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, mudou o trato com os chamados piqueteiros, grupos de desempregados que protestam pedindo trabalho e medidas sociais.
Desde o final da semana retrasada, os chamados "piqueteiros duros", que fazem oposição ao atual governo, estão sendo impedidos por um forte operativo policial de bloquear vias de acesso à capital federal, Buenos Aires, e de protestar na praça de Maio.
Até agora, o governo Kirchner vinha evitando confronto com os manifestantes. Chegou inclusive a estabelecer uma ligação forte com uma parcela dos piqueteiros -representantes de alguns grupos chegam inclusive a ocupar cargos dentro do governo.
Parte dos grupos, entretanto, continuou na oposição, e nos últimos meses intensificou os protestos, realizando bloqueios para pedir aumento nos benefícios sociais que recebem do Estado.
A partir daí, os piquetes se transformaram em outro capítulo da briga entre Kirchner e o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003) pela vitória de seus candidatos nas eleições. Ambos pertencem ao Partido Justicialista, mas apresentaram listas separadas para o pleito.
Em discursos no início da semana passada, o presidente argentino afirmou que há um pacto entre Duhalde e o também ex-presidente Carlos Menem (1989-99) para "desestabilizar" seu governo -Duhalde e Menem sempre disputaram espaço entre si dentro do partido. O pacto a que se referiu Kirchner, sem provas, seria o financiamento de grupos piqueteiros para que realizem protestos contra o governo.
Conseguir que candidatos apoiados por Kirchner ganhem as eleições é uma das principais metas do governo. O presidente argentino já afirmou que é fundamental que a população "aprove" sua gestão no pleito para ter aval para seguir governando.

Feridos
Com a aproximação das eleições legislativas, o governo decidiu impedir os piquetes. O primeiro sinal mais forte da mudança de atitude aconteceu na quinta-feira da semana retrasada, quando a política reprimiu um protesto no centro de eventos La Rural, em Buenos Aires, em um dia em que estava prevista a presença do ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna.
Nesse dia, 15 piqueteiros foram detidos. Sete pessoas ficaram feridas: dois manifestantes, quatro policiais e um segurança do La Rural. Além disso, ao longo da semana passada a polícia não deixou que piqueteiros bloqueassem a ponte Pueyrredón, um dos principais acessos à cidade.
O ministro do Interior da Argentina, Aníbal Fernández, advertiu na semana passada que o governo não permitiria um novo acampamento de manifestantes na praça de Maio, como ocorreu há algumas semanas.
"A praça de Maio não é um camping", afirmou Fernández.
Foi o que aconteceu no final da tarde da última sexta-feira, quando uma grande marcha de manifestantes foi impedida pela polícia de entrar na praça de Maio.
Houve momentos de tensão quando um grupo forçou a passagem através da barreira de policiais.
Participaram da mobilização piqueteiros, empregados em greve de um dos principais hospitais públicos da cidade, militantes de partidos de esquerda e estudantes universitários.
A praça é um emblemático ponto de manifestações em Buenos Aires. É onde as Mães da Praça de Maio protestam há mais de duas décadas pelos seus filhos e netos desaparecidos durante a ditadura militar (1976-83) no país.

"Brandos"
Os principais grupos piqueteiros que apóiam Kirchner são a Federação de Terras e Casas, cujo líder, Luis D'Elía, se autodenomina um "soldado a serviço do presidente", e a Bairros de Pé.
Esses grupos, chamados de piqueteiros "brandos", têm trânsito fácil na Casa Rosada e, de acordo com a imprensa, são mais beneficiados pelos benefícios sociais que o governo concede aos desempregados do que os que fazem oposição a Kirchner. O governo nega a acusação.
Quando o presidente argentino convocou a população a boicotar a Shell, como reação à alta nos preços dos combustíveis, grupos piqueteiros que apóiam o governo bloquearam vários postos da multinacional. Segundo os jornais locais, foram coordenados pelo governo.


Texto Anterior: Uma cidade capaz de dançar no seu enterro
Próximo Texto: Missão no Caribe: Brasil se prepara para aumento da violência no Haiti
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.