São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2000

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COMENTÁRIO

Confrontos dos últimos dias colocam os dois lados desempenhando antigo papel de inimigos
Violência revela a volátil relação Israel-palestinos

DEBORAH SONTAG
DO "THE NEW YORK TIMES", EM JERUSALÉM


Na semana passada, Iasser Arafat e Ehud Barak conversaram, comeram juntos e contaram piadas num aprazível jardim da casa do primeiro-ministro israelense, no interior de Israel.
Agora, seus povos se matam.
A cada dia de violência, um líder vê o outro com mais desconfiança. Ambos voltam aos seus antigos papéis de inimigos.
Quaisquer que sejam as causas, o que se viu é que as coisas podem virar de cabeça para baixo com grande rapidez por aqui. Em pouco tempo, a linguagem da força derruba as cuidadosas declarações de paz. Num instante, as relações dão lugar às mais primitivas animosidades étnico-religiosas, pondo em risco o que se obteve desde os acordos de Oslo (93).
Ainda não se sabe quanto tempo o conflito durará. Tampouco qual será o impacto em termos políticos e diplomáticos.
Com tanta incerteza, tudo o que havia nas manchetes da semana passada está agora paralisado: dificuldades de Barak para manter sua coalizão, especulações sobre um retorno do ex-premiê Binyamin Netanyahu, propostas norte-americanas de consenso.
Na última semana, os israelenses discutiam os prós e os contras de permitir que os ônibus públicos fizessem viagens até as praias durante os dias religiosos. Nesta semana, não é nem preciso dizer que não falam mais disso.
Muitos aqui acreditam que os surtos de violência levaram, historicamente, a grandes avanços em direção à paz -à Guerra do Yom Kippur, em 1973, seguiu-se o acordo de paz com o Egito, em 1978; depois da Intifada (revolta popular palestina), que começou em 1987, veio o acordo de Oslo, em 1993. Durante as duas semanas da cúpula de Camp David (EUA), em julho, muitos analistas estavam céticos quanto às chances de um acordo de paz, pois, diziam, eram necessários ainda "uns dois banhos de sangue".
Mas, mesmo agora, é difícil para muitos imaginar que a violência corrente possa levar à paz.
Os palestinos dizem que os israelenses os provocaram, para então forcá-los a assinar sua versão de paz. Eles afirmam que Barak nunca deveria ter autorizado a visita de Ariel Sharon (líder do partido oposicionista Likud) à Esplanada das Mesquitas, o estopim dos confrontos. Avisaram antes que seria o mesmo que abrir a caixa de Pandora. Algumas autoridades israelenses, por sua vez, afirmam que os palestinos estão entrando num perigoso caminho, tentando obter concessões à força. Os árabes, dizem, disfarçam sob a forma de levante popular sua resolução de usar a violência.
Outros membros do governo reconhecem que Sharon foi o início de tudo. Mas declaram que os palestinos aproveitaram a oportunidade como uma esperada desculpa para liberar sua ira.
As intenções de Sharon? Ele disse que era uma visita comum de um israelense ao Monte do Templo -nome dado pelos judeus ao local, onde foram edificados os dois templos da época bíblica.
Entre os especialistas, porém, corre a especulação de que Sharon buscava tirar dos holofotes Netanyahu, seu rival na liderança do partido. Seria um ato de nacionalismo de Sharon, que não ignorava o potencial do ato contra o processo de paz e Barak.
Alguns dos vários aspectos da relação entre palestinos e Israel têm sido cuidadosamente observados. Economia, por exemplo. O fluxo de trabalhadores árabes para Israel manteve-se. Nos distúrbios passados, o fechamento das cidades palestinas era imediato.
Os otimistas vêem a atual crise como um doloroso lembrete sobre o caos que virá se as negociações forem abandonadas.
"O que vemos hoje é a gloriosa alternativa à paz", ironizou o ex-premiê Shimon Peres.
Outros perguntam a si mesmos por que deveriam se importar com o processo de paz. "Com nosso sangue demarcamos as fronteiras do nosso Estado", disse Bashir Barghouti, um palestino que recebeu um tiro no olho.


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