São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2001

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REPERCUSSÃO

Reações incluem apoio, críticas aos EUA e até uma teoria conspiratória, no Paquistão

Mídia de países islâmicos se divide

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Países majoritariamente islâmicos vêm promovendo um debate em torno dos atentados contra a Costa Leste norte-americana e da provável operação militar no Afeganistão. Em jornais locais, vêem-se reações que vão do apoio quase acrítico aos EUA a advertências de uma possível recorrência do terror e pedidos de cautela, passando por "recomendações" para uma nova política externa.
"Ante o horror, pois não há outra palavra, e os apelos de vingança tanto nos EUA quanto na Europa, convém lembrar que essa "história" de kamikazes, bombas humanas e aviões lançados contra torres não acabará nunca se o conflito no Oriente Médio não for resolvido. Vemos todos os dias na Palestina (e agora em Nova York) homens e mulheres desesperados", diz a publicação semanal marroquina "Demain Magazine".
"Eles estão dispostos a sacrificar a vida para combater Israel e seu grande aliado americano. Toda a chave do problema está aí, nesse pequeno pedaço de terra. Enquanto os palestinos não tiverem uma pátria, e os EUA apoiarem cegamente o Estado judaico, não haverá jamais paz no Oriente Médio, nem, como vimos no dia 11, em qualquer outro lugar. Mesmo na maior potência do mundo."
Para o "Al Hayat", jornal árabe publicado em Londres, "o mundo não se preocupa em diferenciar resistência de terrorismo". "Falar de política e de direitos é um luxo." O diário diz que "a "culpa" de milhões de muçulmanos que vivem no Ocidente" põe em perigo "a integridade física e a liberdade" da comunidade islâmica.
O "Al Hayat" prevê um cenário tenso: "enfraquecimento no Ocidente de todas as partes suscetíveis de mostrar uma certa compreensão dos argumentos islâmicos, enfraquecimento da prática democrática nessas sociedades e enfraquecimento da sensibilidade anti-racista, além do fortalecimento de sentimentos chauvinistas e xenófobos, ou seja, o "choque de civilizações" generalizado".
O jornal senegalês "Sud Quotidien" alerta contra a tentação maniqueísta: "O horror do World Trade Center e do Pentágono despertou velhos demônios fundadores de todas as vertentes racistas. Fala-se em ameaças contra "os países civilizados", da "civilização" em perigo, da democracia em perigo. O presidente americano trouxe uma dose extra de dramaticidade insistindo em que se trata da "guerra do bem contra o mal'".
O jornal palestino "Al Quds" trouxe na semana passada uma caricatura em que um palestino diz "o sensato... não apóia os EUA nem os outros", em referência a frase de George W. Bush -"Ou estão conosco ou estão com os terroristas". Diante dele, dois norte-americanos afirmam: "Com certeza, é um terrorista".
Já o diário "Al Ayyam", também palestino, diz que os EUA "deveriam ter adotado, desde o princípio, uma posição justa em relação ao conflito árabe-israelense, que concerne qualquer pessoa no mundo árabe e islâmico por questões nacionais e religiosas, e isso se faz por meio da implementação das resoluções da ONU".
"Os ataques suicidas levaram a causa palestina à linha de frente dos conflitos regionais que a comunidade internacional deve abordar", disse o pesquisador Abdel Salam, do Centro Al Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos. O jornal estatal "Al Ahram" é um dos principais do Egito. Para Salam, líderes muçulmanos devem exigir de Washington "garantias concretas" de que o processo de paz na região será retomado.
"Da simpatia às vítimas, as ruas do Cairo foram tomadas pela decepção, pela suspeita e pelo temor de ver muçulmanos e árabes na linha de tiro", complementa.

Coalizão antiterrorismo
Segundo o diário libanês "Assafir", para os árabes, "ficar fora da "aliança" antiterrorismo não será confortável. Mas o mais perigoso será se engajar incondicionalmente. É possível definir uma política árabe comum que rejeitaria contentar-se apenas com soluções de segurança? Quem pediria uma justa solução para os problemas da região e do mundo?".
Já o "The Daily Star", de Bangladesh, manifesta um apoio quase incondicional aos EUA. "Alguns americanos batizaram o que houve de segundo Pearl Harbor talvez por causa do efeito surpresa e da escolha dos alvos, símbolos nacionais. Mas é pior que isso. Enquanto Pearl Harbor era um alvo militar, o World Trade Center não era, e milhares de inocentes morreram... Daí a necessidade de nosso governo apoiar e ajudar qualquer campanha antiterrorista. Pedimos, porém, que os EUA limitem sua resposta à luta contra o terrorismo, evitando o preconceito contra alguma crença."
Na Indonésia, maior país muçulmano em número de adeptos (200 milhões do 1,3 bilhão no mundo), o "The Jakarta Post" argumenta que, "no momento em que os EUA ressoam os tambores da guerra, convém lembrar que a retaliação, qualquer que seja o alvo, deve ser pautada mais pelo bom senso do que pela ira. O governo dos EUA deve agir com base nas leis internacionais e prestar contas de todas as suas ações".
De acordo com o jornal indonésio, "o combate ao terrorismo é uma guerra de outra natureza, como os próprios responsáveis norte-americanos admitiram. Resta saber se os soldados dos EUA estão prontos para levar adiante essa guerra, para a qual eles não receberam nenhuma formação específica. Após as cenas horríveis do dia 11, o mundo não pode mais viver outros dramas durante os quais outros inocentes percam a vida. Se isso tivesse de acontecer, seria uma guerra puramente americana, da qual o restante do mundo não participaria".

Teoria conspiratória
"É bastante possível que os ataques realizados contra o World Trade Center e o Pentágono, seguidos de uma chuva de mísseis contra Cabul [lançada pela oposição afegã", façam parte de um vasto plano satânico concebido e realizado por pessoas bem posicionadas na administração militar norte-americana", diz o "Business Recorder", de Karachi (Paquistão). O jornal deu destaque para a notícia de que os EUA vão combater separatistas pró-Paquistão que atuam na parte da Caxemira sob controle indiano.
O diário libanês "Annahar" diz que "os atentados suicidas provocam uma rejeição crescente de tudo o que é muçulmano e árabe". A previsão: "As ações nos EUA vão levar Israel a tomar medidas de segurança draconianas para proteger as fronteiras, o espaço aéreo e os habitantes, tendo como consequência a aceleração de um processo de separação visando isolar os territórios palestinos". Para o "Annahar", "com cada um assumindo sua responsabilidade política, as duas partes podem frear o ardor dos extremistas".
Faiçal Oukasi, do jornal argelino "L'Expression", argumenta que o verdadeiro desafio que se coloca é o seguinte: como promover uma operação militar "eficaz e de envergadura" sem passar por "um elefante enraivecido em uma loja de porcelana"?


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