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ANÁLISE
Caso das armas é teste político para Bush
DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES"
O relatório preliminar do inspetor-chefe de armas no Iraque
obriga o governo Bush a encarar
uma realidade: que o arsenal de
Saddam Hussein, aparentemente,
estava repleto de precursores, armas potenciais e armas de engodo, mas que nada do que foi encontrado justifica as afirmações
de que Saddam representava uma
ameaça iminente ao mundo.
Em público, Bush diz que a
questão não é essa. O que deve fazer uma diferença para os americanos e para o mundo, diz ele, é o
fato de Saddam ter caído e de o
Iraque estar livre. Reservadamente, porém, os assessores políticos
do presidente americano admitem que a questão é essa, sim, e
que ela pode se tornar cada vez
mais importante à medida que a
política eleitoral for se chocando
com a realidade do trabalho de
conter o caos no Iraque ocupado.
Embora o relatório do inspetor
de armas, David Kay, não seja final, e embora ainda exista a possibilidade de os inspetores toparem
com um depósito de armas escondidas, as constatações preliminares reforçam os argumentos
dos críticos -entre os quais figuram candidatos do Partido Democrata- de que Bush justificou
sua decisão de ir à guerra com informações duvidosas.
Não há dúvida de que a distância entre o que Bush disse que
existia no Iraque e o que David
Kay não conseguiu encontrar será
discutida inúmeras vezes, enquanto os americanos debatem se
foi correto invadir o Iraque e o
que deve ser feito agora.
"O presidente tem nas mãos um
problema enorme" de explicar
porque as armas não foram encontradas, disse Lee H. Hamilton,
ex-parlamentar democrata do Indiana e atual presidente do Centro Internacional de Acadêmicos
Woodrow Wilson, de Washington. "Ele e seus assessores já disseram e repetiram que vão encontrar "armas não convencionais". À
luz das evidências atuais, eles não
podem continuar a dizê-lo."
Hamilton -que, quando estava
no Congresso, tratava de questões
ligadas à inteligência- disse que
o problema ultrapassa o âmbito
da política: ele suscita perguntas
sobre se as informações fornecidas pelos serviços de inteligência
podem ser consideradas confiáveis e podem ser usadas para convocar o mundo a opor-se aos programas norte-coreano e iraniano
de armas nucleares.
Se os EUA apresentarem novos
argumentos em favor de um ataque preventivo contra qualquer
país suspeito de estar acumulando armas, "será muito mais difícil
convencer o mundo do que disserem", disse Hamilton.
Vários dos assessores de Bush
disseram que a questão das armas
em poder de Saddam teria muito
menos peso político se a ocupação estivesse acontecendo com
tranquilidade. Mas não está.
Em seu relatório, David Kay
pinta o retrato de um ditador que
teria gostado de desenvolver armas biológicas e químicas, algumas delas complexas e outras "relativamente pouco sofisticadas".
Mas algo semelhante poderia
ser dito a respeito de ditadores de
muitos outros países, incluindo
alguns que aparentam estar muito mais adiantados do que o Iraque no tocante a essas armas. Parte da tarefa que Bush terá de encarar consiste em explicar por que
ele não soou o alarme com tanto
vigor com relação a esses países.
O relatório de Kay oferece argumentos para que a busca pelas armas continue. Mesmo que não sejam encontrados depósitos escondidos de armas químicas, biológicas ou nucleares, disse Kay, a
busca vai proporcionar lições sobre como melhorar "a qualidade
da inteligência". Essas razões não
constituem grande ajuda a Bush
no momento em que ele, como
disse Hamilton, "revê sua lista de
razões para travar a guerra".
Justificar uma guerra depois do
fato consumado é difícil em qualquer época, mais ainda no meio
de uma ocupação malvista pela
população, mais difícil e perigosa
do que foram as ocupações do Japão e da Alemanha em 1945 e, de
quebra, repleta de perigos políticos para Bush em 2004.
Tradução de Clara Allain
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