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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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ANÁLISE

Caso das armas é teste político para Bush

DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES"

O relatório preliminar do inspetor-chefe de armas no Iraque obriga o governo Bush a encarar uma realidade: que o arsenal de Saddam Hussein, aparentemente, estava repleto de precursores, armas potenciais e armas de engodo, mas que nada do que foi encontrado justifica as afirmações de que Saddam representava uma ameaça iminente ao mundo.
Em público, Bush diz que a questão não é essa. O que deve fazer uma diferença para os americanos e para o mundo, diz ele, é o fato de Saddam ter caído e de o Iraque estar livre. Reservadamente, porém, os assessores políticos do presidente americano admitem que a questão é essa, sim, e que ela pode se tornar cada vez mais importante à medida que a política eleitoral for se chocando com a realidade do trabalho de conter o caos no Iraque ocupado.
Embora o relatório do inspetor de armas, David Kay, não seja final, e embora ainda exista a possibilidade de os inspetores toparem com um depósito de armas escondidas, as constatações preliminares reforçam os argumentos dos críticos -entre os quais figuram candidatos do Partido Democrata- de que Bush justificou sua decisão de ir à guerra com informações duvidosas.
Não há dúvida de que a distância entre o que Bush disse que existia no Iraque e o que David Kay não conseguiu encontrar será discutida inúmeras vezes, enquanto os americanos debatem se foi correto invadir o Iraque e o que deve ser feito agora.
"O presidente tem nas mãos um problema enorme" de explicar porque as armas não foram encontradas, disse Lee H. Hamilton, ex-parlamentar democrata do Indiana e atual presidente do Centro Internacional de Acadêmicos Woodrow Wilson, de Washington. "Ele e seus assessores já disseram e repetiram que vão encontrar "armas não convencionais". À luz das evidências atuais, eles não podem continuar a dizê-lo."
Hamilton -que, quando estava no Congresso, tratava de questões ligadas à inteligência- disse que o problema ultrapassa o âmbito da política: ele suscita perguntas sobre se as informações fornecidas pelos serviços de inteligência podem ser consideradas confiáveis e podem ser usadas para convocar o mundo a opor-se aos programas norte-coreano e iraniano de armas nucleares.
Se os EUA apresentarem novos argumentos em favor de um ataque preventivo contra qualquer país suspeito de estar acumulando armas, "será muito mais difícil convencer o mundo do que disserem", disse Hamilton.
Vários dos assessores de Bush disseram que a questão das armas em poder de Saddam teria muito menos peso político se a ocupação estivesse acontecendo com tranquilidade. Mas não está.
Em seu relatório, David Kay pinta o retrato de um ditador que teria gostado de desenvolver armas biológicas e químicas, algumas delas complexas e outras "relativamente pouco sofisticadas".
Mas algo semelhante poderia ser dito a respeito de ditadores de muitos outros países, incluindo alguns que aparentam estar muito mais adiantados do que o Iraque no tocante a essas armas. Parte da tarefa que Bush terá de encarar consiste em explicar por que ele não soou o alarme com tanto vigor com relação a esses países.
O relatório de Kay oferece argumentos para que a busca pelas armas continue. Mesmo que não sejam encontrados depósitos escondidos de armas químicas, biológicas ou nucleares, disse Kay, a busca vai proporcionar lições sobre como melhorar "a qualidade da inteligência". Essas razões não constituem grande ajuda a Bush no momento em que ele, como disse Hamilton, "revê sua lista de razões para travar a guerra".
Justificar uma guerra depois do fato consumado é difícil em qualquer época, mais ainda no meio de uma ocupação malvista pela população, mais difícil e perigosa do que foram as ocupações do Japão e da Alemanha em 1945 e, de quebra, repleta de perigos políticos para Bush em 2004.


Tradução de Clara Allain


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