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IRAQUE SOB TUTELA
Segundo especialistas, uma coalizão religiosa poderá permanecer democrática e buscar conciliação
EUA já admitem governo xiita no Iraque
GUY DINSMORE
DO "FINANCIAL TIMES"
Enquanto tropas de reforço
americanas se dirigem ao Iraque,
a administração Bush vai pouco a
pouco se acostumando à idéia de
que as eleições programadas para
janeiro poderão marcar o fim do
governo do primeiro-ministro
Iyad Allawi, o favorito secular dos
Estados Unidos, e a chegada ao
poder de uma quase teocracia.
Nada é certo, nem mesmo a data de 30 de janeiro prevista para a
eleição. Em Washington, porém,
a expectativa crescente é que uma
coalizão dominada pelos partidos
religiosos xiitas surja como o primeiro governo xiita do mundo
árabe [o Irã é persa, não árabe].
Um representante americano
especialista em Oriente Médio refletiu sobre as conseqüências imprevistas da invasão de 2003.
"Agora estamos dispostos a tolerar uma teocracia restrita no
Iraque, limitada por uma legislação básica fraca que garanta as liberdades civis fundamentais",
disse o representante, que pediu
para não ter seu nome citado.
"Não era essa a idéia original."
Segundo ele, a visão neoconservadora de um Iraque secular e democrático que transformaria a
equação política na região e reconheceria Israel foi quebrada.
O nome de Abdul-Aziz al Hakim, clérigo xiita e líder do Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Iraque (CSRII), é um
entre vários que circulam em
Washington como possível futuro primeiro-ministro. Outros são
Adel Abd al Mahdi, o atual ministro das Finanças, também integrante do CSRII, e Ibrahim al Jaafari, o atual vice-presidente e líder
do partido xiita Dawa.
Algumas lideranças neoconservadoras em Washington se sentem desconcertadas com o enfraquecimento dos moderados seculares provocado pela insurgência
sunita persistente. O ex-assessor
do Pentágono Richard Perle diz
que o grande erro foi a não instalação desde cedo de um governo
feito de exilados.
O comentarista Charles Krauthammer avisou a minoria xiita e
curda que os Estados Unidos não
vão se dispor a travar "sua guerra
civil" contra os sunitas para sempre. Para ele, os EUA querem
"manter essa idéia de um Iraque
unificado e não étnico". "Em algum momento, porém", disse ele,
"teremos que decidir se isso será
possível e quantas vidas americanas poderão ser sacrificadas em
nome dessa proposta".
Especialistas no Iraque e nos xiitas dentro do Instituto do Empreendimento Americano (IEA),
um importante grupo de políticas
neoconservadoras, continuam
otimistas. Eles acreditam que
uma coalizão liderada por xiitas
que comande a redação da Constituição em 2005 permanecerá democrática e não deixará de buscar
soluções conciliatórias.
Embora religiosa, a coalizão,
para eles, não será uma teocracia,
porque o grão aiatolá Ali al Sistani, o mais influente líder espiritual
do país, vai permanecer em segundo plano.
Segundo eles, apesar dos vínculos que mantêm com o Irã e sua
Guarda Revolucionária, o CSRII e
o Dawa não se subordinam aos
aiatolás iranianos.
Michael Rubin, analista junto
ao IEA e ex-assessor americano
no Iraque, prevê o surgimento de
uma coalizão de base ampla e "características religiosas".
Iyad Allawi, cujo partido ainda
não conseguiu formar uma chapa
de coalizão, deve perder espaço,
prevê Rubin, para quem os dados
das pesquisas de intenção de voto
da CIA (Agência Central de Inteligência) superestimam a popularidade do protegido dos EUA. "A
administração Bush vê o Afeganistão como história de sucesso e
quer repeti-la, mas Allawi não é
nenhum Hamid Karzai", diz Rubin, referindo-se ao presidente
eleito afegão.
Reuel Gerecht, antigo agente da
CIA que entrou para o IEA, acha
que um governo liderado por xiitas desejaria que os americanos
continuassem a combater os insurgentes sunitas até que houvesse forças de segurança iraquianas
treinadas em número suficiente.
Gerecht recorda que, durante
encontro reservado que manteve
com o presidente George W. Bush
na Casa Branca, em janeiro, Hakim encorajou o presidente a
manter-se firme no rumo lançado
no Iraque.
Mais problemática é a reação
dos vizinhos sunitas do Iraque a
uma liderança xiita em Bagdá.
"Jordanianos e sauditas são alérgicos a qualquer governo dominado por xiitas. Eles estão revoltados com essa perspectiva", disse
Gerecht.
Em uma conferência ocorrida
esta semana no Instituto Norte-americano de Paz, que está prestando assessoria ao Iraque, especialistas e altos representantes
americanos e iraquianos disseram que os preparativos para a
eleição estão indo conforme o
previsto em todas as províncias
do Iraque, exceto em três. Mais de
4.000 candidatos já se registraram
para concorrer na eleição.
"Já é hora de essa população votar. Estou ansioso por isso", afirmou Bush no gabinete oval, esta
semana. "Essa eleição não deve
ser adiada."
Ronald Schlicher, coordenador
do Departamento de Estado para
o Iraque, disse que os EUA terão
que aceitar o resultado de uma
eleição "digna de crédito".
Tradução de Clara Allain
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