São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Segundo especialistas, uma coalizão religiosa poderá permanecer democrática e buscar conciliação

EUA já admitem governo xiita no Iraque

GUY DINSMORE
DO "FINANCIAL TIMES"

Enquanto tropas de reforço americanas se dirigem ao Iraque, a administração Bush vai pouco a pouco se acostumando à idéia de que as eleições programadas para janeiro poderão marcar o fim do governo do primeiro-ministro Iyad Allawi, o favorito secular dos Estados Unidos, e a chegada ao poder de uma quase teocracia.
Nada é certo, nem mesmo a data de 30 de janeiro prevista para a eleição. Em Washington, porém, a expectativa crescente é que uma coalizão dominada pelos partidos religiosos xiitas surja como o primeiro governo xiita do mundo árabe [o Irã é persa, não árabe].
Um representante americano especialista em Oriente Médio refletiu sobre as conseqüências imprevistas da invasão de 2003.
"Agora estamos dispostos a tolerar uma teocracia restrita no Iraque, limitada por uma legislação básica fraca que garanta as liberdades civis fundamentais", disse o representante, que pediu para não ter seu nome citado. "Não era essa a idéia original."
Segundo ele, a visão neoconservadora de um Iraque secular e democrático que transformaria a equação política na região e reconheceria Israel foi quebrada.
O nome de Abdul-Aziz al Hakim, clérigo xiita e líder do Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Iraque (CSRII), é um entre vários que circulam em Washington como possível futuro primeiro-ministro. Outros são Adel Abd al Mahdi, o atual ministro das Finanças, também integrante do CSRII, e Ibrahim al Jaafari, o atual vice-presidente e líder do partido xiita Dawa.
Algumas lideranças neoconservadoras em Washington se sentem desconcertadas com o enfraquecimento dos moderados seculares provocado pela insurgência sunita persistente. O ex-assessor do Pentágono Richard Perle diz que o grande erro foi a não instalação desde cedo de um governo feito de exilados.
O comentarista Charles Krauthammer avisou a minoria xiita e curda que os Estados Unidos não vão se dispor a travar "sua guerra civil" contra os sunitas para sempre. Para ele, os EUA querem "manter essa idéia de um Iraque unificado e não étnico". "Em algum momento, porém", disse ele, "teremos que decidir se isso será possível e quantas vidas americanas poderão ser sacrificadas em nome dessa proposta".
Especialistas no Iraque e nos xiitas dentro do Instituto do Empreendimento Americano (IEA), um importante grupo de políticas neoconservadoras, continuam otimistas. Eles acreditam que uma coalizão liderada por xiitas que comande a redação da Constituição em 2005 permanecerá democrática e não deixará de buscar soluções conciliatórias.
Embora religiosa, a coalizão, para eles, não será uma teocracia, porque o grão aiatolá Ali al Sistani, o mais influente líder espiritual do país, vai permanecer em segundo plano.
Segundo eles, apesar dos vínculos que mantêm com o Irã e sua Guarda Revolucionária, o CSRII e o Dawa não se subordinam aos aiatolás iranianos.
Michael Rubin, analista junto ao IEA e ex-assessor americano no Iraque, prevê o surgimento de uma coalizão de base ampla e "características religiosas".
Iyad Allawi, cujo partido ainda não conseguiu formar uma chapa de coalizão, deve perder espaço, prevê Rubin, para quem os dados das pesquisas de intenção de voto da CIA (Agência Central de Inteligência) superestimam a popularidade do protegido dos EUA. "A administração Bush vê o Afeganistão como história de sucesso e quer repeti-la, mas Allawi não é nenhum Hamid Karzai", diz Rubin, referindo-se ao presidente eleito afegão.
Reuel Gerecht, antigo agente da CIA que entrou para o IEA, acha que um governo liderado por xiitas desejaria que os americanos continuassem a combater os insurgentes sunitas até que houvesse forças de segurança iraquianas treinadas em número suficiente.
Gerecht recorda que, durante encontro reservado que manteve com o presidente George W. Bush na Casa Branca, em janeiro, Hakim encorajou o presidente a manter-se firme no rumo lançado no Iraque.
Mais problemática é a reação dos vizinhos sunitas do Iraque a uma liderança xiita em Bagdá. "Jordanianos e sauditas são alérgicos a qualquer governo dominado por xiitas. Eles estão revoltados com essa perspectiva", disse Gerecht.
Em uma conferência ocorrida esta semana no Instituto Norte-americano de Paz, que está prestando assessoria ao Iraque, especialistas e altos representantes americanos e iraquianos disseram que os preparativos para a eleição estão indo conforme o previsto em todas as províncias do Iraque, exceto em três. Mais de 4.000 candidatos já se registraram para concorrer na eleição.
"Já é hora de essa população votar. Estou ansioso por isso", afirmou Bush no gabinete oval, esta semana. "Essa eleição não deve ser adiada."
Ronald Schlicher, coordenador do Departamento de Estado para o Iraque, disse que os EUA terão que aceitar o resultado de uma eleição "digna de crédito".


Tradução de Clara Allain


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