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ÁFRICA DO SUL
Segundo pesquisa, 20% dos negros do país dizem que a vida era melhor sob o governo branco, contra 8% em 1995
"Saudade" do apartheid cresce entre negros
RACHEL SWARNS
DO "THE NEW YORK TIMES", EM SOWETO
Por décadas, o fervor da luta
contra o apartheid queimava nas
ruas tortuosas desta cidade. As
pessoas cantaram e dançaram de
alegria, neste empobrecido município negro, quando o apartheid
enfim chegou ao final, em 1994.
Mas, oito anos após a África do
Sul ter eleito seu primeiro governo negro, um número pequeno
mas crescente de negros vem argumentando algo antes inimaginável -que a vida era melhor sob
o domínio dos brancos.
Vinte por cento dos negros entrevistados em uma pesquisa divulgada neste mês disseram que
aprovavam a maneira pela qual a
África do Sul era governada durante o apartheid, ante os 8% registrados em 1995. Os analistas
políticos advertem que isso indica
um nível preocupante de decepção entre as pessoas que elegeram
Nelson Mandela como o primeiro
presidente negro do país, com
tantas esperanças, em 1994.
A maior parte dos negros claramente não quer a volta dos velhos
tempos. Na pesquisa, conhecida
como Afrobarômetro e conduzida pelo Instituto pela Democracia
na África do Sul, pelo Centro de
Democracia e Desenvolvimento
de Gana e pela Universidade Estadual de Michigan, cerca de 60%
dos entrevistados se dizem a favor
do sistema político atual, que deu
aos negros o direito de voto e expandiu seu acesso a habitação,
água e eletricidade.
Hoje, os benefícios da era posterior ao apartheid parecem claros:
há rostos negros no Parlamento e
nas empresas, escolas e bairros integrados e uma elite negra cujas
fileiras vêm crescendo rapidamente. Mas a decepção está claramente em ascensão entre os negros pobres, as classes trabalhadoras e as pessoas com educação
deficiente. Funcionários de governos ocidentais elogiaram a administração negra sul-africano
por sua política fiscal conservadora, mas o país perdeu milhares de
empregos nos últimos anos, com
a progressiva liberalização de
uma economia antes protegida.
O desemprego é de quase 30%,
ante os 17% de 1995. Não é incomum ouvir negros comentando
com saudade a era do apartheid,
quando havia muitos empregos e
poucas demissões.
Ninguém está sugerindo que os
negros estejam ansiosos pelo retorno da opressão racial e da falta
de direitos políticos. Mas a era de
domínio branco às vezes parece
satisfatória em comparação com
o atual nível de desemprego e criminalidade e diante da competição por empregos com imigrantes estrangeiros.
"As coisas eram melhores no
passado", diz Kala Kgamedi, 33,
que perdeu seu emprego como
vendedor dois anos atrás. Ele ficou desempregado por todo esse
tempo, antes de arranjar um novo
trabalho, o qual oferece poucos
benefícios médicos e não permite
que ele use um carro da empresa,
ao contrário do anterior. "Na época do apartheid as coisas funcionavam suavemente", diz Kgamedi, que trabalha em uma agência
de despachantes. "Jamais tínhamos essas reacomodações. Agora,
a maior parte das pessoas está desempregada. E, quando se arranja
um emprego, ele é sempre de
tempo parcial, nunca permanente. Eu, por mim, gostaria de voltar
à era do apartheid."
Natale Koanaite, 27, motorista,
diz que as grandes esperanças que
os pobres tinham ao eleger um
governo negro estão desaparecendo. "O voto supostamente
mudaria a vida das pessoas que
vivam em desvantagem", disse.
"Mas depois da eleição, o que as
pessoas ganharam? Não há muita
coisa mudando em Soweto."
O Congresso Nacional Africano, partido governante, reconhece a crescente insatisfação. Nos últimos cinco anos, o número de filiados do partido caiu em cinco
das nove Províncias do país. Neste mês, Kgalema Motlanthe, secretário-geral da legenda, advertiu que havia sério risco de perder
o apoio dos eleitores jovens.
Menos de metade dos eleitores
entre os 18 e os 25 anos votou na
eleição presidencial de 1999. Funcionários do Congresso Nacional
Africano temem que os jovens insatisfeitos, muitas vezes desempregados e sem muitas lembranças dos anos de apartheid, possam ser seduzidos por outros partidos políticos, brancos ou negros.
"Se como sociedade e movimento fracassarmos em conscientizar as pessoas e mobilizar os
estudantes, os jovens trabalhadores e os intelectuais, outras forças
surgirão para ocupar esse vazio",
advertiu Motlanthe. Ele disse que
a fraqueza do partido em comunicar ao público suas posições sobre
questões essenciais o tornara vulnerável. "Isso deu espaço tanto à
direita quanto à ultra-esquerda
para que atacassem o movimento
sobre questões que variam do ritmo de solução do desafio do desemprego à pobreza", disse.
Os negros insatisfeitos não desejam um presidente branco. Na
pesquisa Afrobarômetro, dos
2.400 entrevistados em todo o
país, menos de 3% dos eleitores
negros pretendiam votar em um
partido branco. A pesquisa, cuja
margem de erro é de dois pontos
percentuais, sugere que os brancos não desejam um novo governo branco, mas sentem falta do
que percebiam como eficiência da
velha administração.
"Não é nostalgia do apartheid
em si, mas da maneira que as coisas pareciam funcionar sob o
apartheid", explica Robert Mattes, analista político da Universidade da Cidade do Cabo e responsável pelo levantamento Afrobarômetro. "Mas eles não têm para
onde ir", disse Mattes sobre os
eleitores negros decepcionados.
"As pessoas que não gostam do
desempenho do governo não
vêem alternativas. Isso gera a possibilidade de uma queda no comparecimento às urnas."
Na cidade de Soweto, uma comunidade negra, em um bairro
de casas apertadas e de sonhos esmaecidos, Sabelo Sibanda, 28, já
decidiu oficialmente não votar.
Ele se formou em direito e está
procurando emprego há um ano.
Diz que não suportaria votar em
um partido branco, mas não pretende apoiar o Congresso Nacional Africano, que parece tão distante de seus problemas.
"Queríamos contribuir para o
nosso país", diz Sibanda, que vive
com os pais e às vezes imagina por
que foi tolo a ponto de ter sonhos
tão grandiosos. "Lutamos por
tanto tempo pelos direitos iguais,
pelo respeito, para sermos tratados como gente. Agora fico imaginando se a luta valeu a pena."
"Aqui estou eu, jovem e qualificado, e não consigo emprego. Por
que votar se não me beneficio
com esse governo? Eles dizem que
estão tentando combater a pobreza, mas eu não vejo nada disso."
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