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Unilateralismo põe em risco interesses americanos
DA REDAÇÃO
A atual política externa dos
EUA, eminentemente unilateralista -sobretudo após os atentados terroristas de 11 de setembro
de 2001-, deverá colocar em risco os interesses americanos em
todo o mundo a médio e longo
prazos, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
A razão é relativamente simples,
segundo Charles Tilly, autor de
"From Contention to Democracy" (da contenção à democracia). "Se continuar a concentrar-se apenas em ganhar mercados e
em atividades militares para combater o que classificou de terrorismo internacional, Washington
minará seus interesses porque
provocará reações internacionais
contrárias à sua política, além de
causar o empobrecimento de partes significativas do planeta."
Para o economista Jeffrey Sachs,
diretor do Instituto Terra da Universidade Columbia (EUA), isso
ocorrerá porque uma parte significativa do sucesso americano advém da globalização, que não vem
sendo "bem tratada pelos EUA".
"Um mercado internacional
mais abrangente proporcionaria
enormes benefícios aos Estados
que estivessem em condições de
criar e de comercializar novas tecnologias. Ora, como possuem a
economia mais inovadora do
mundo, os EUA seriam os grandes beneficiados", analisou Sachs.
"Ademais, a segurança dos EUA
é reforçada pelo sucesso da globalização. Prova disso foi o efeito altamente positivo que teve a reconstrução da Europa, nas duas
décadas após a Segunda Guerra,
sobre a economia americana. A
estabilidade social, a democratização e o desenvolvimento econômico europeus foram ótimos
para os EUA", acrescentou.
Esse raciocínio deve agora ser
aplicado à esfera global. Assim,
para o autor de "Development
Economics" (economia do desenvolvimento), Washington deveria
"investir na criação de riquezas
no exterior, contribuindo para
que os Estados menos abastados
da cena internacional apresentassem níveis de crescimento econômico razoáveis e, com isso, tivessem sistemas políticos confiáveis,
estabilidade social e paz".
Afinal, a corrosão social e a decomposição do Estado nas regiões menos desenvolvidas do
planeta acarretam agitação, movimentos de refugiados consideráveis, intervenções militares dispendiosas, surgimento de guerrilhas e terrorismo.
Cai ajuda a países pobres
Apesar dessas constatações aparentemente lógicas, o governo do
presidente George W. Bush tem
outras prioridades. Assim, enquanto o orçamento do Departamento da Defesa -que lidera a
guerra ao terrorismo internacional- atingirá, em 2003, o montante recorde de US$ 364,1 bilhões
(quase o PIB da Austrália), os gastos americanos com ajuda para o
desenvolvimento de países pobres caem acentuadamente.
"Washington deveria ajudar os
Estados mais pobres a lutar contra a miséria, a fome, a degradação ambiental e doenças como a
Aids e a tuberculose, além de lhes
dar apoio tecnológico. Isso tudo
deveria ser feito não apenas por
razões éticas e humanitárias, mas
também para obter segurança e
benefícios econômicos a longo
prazo", explicou Sachs.
De fato, quanto mais precárias
forem as condições de vida nos
países menos abastados do mundo, maiores serão as chances de
que surjam movimentos antiamericanos ou, ao menos, contrários à cultura ocidental (mais rica
e, portanto, dominante). Todavia,
nos dois primeiros anos do atual
governo dos EUA, ocorreu outro
fenômeno preocupante: o distanciamento de Washington de dois
de seus principais aliados europeus: a França e a Alemanha.
Em 2002, dois fatos marcaram
as relações entre os EUA e seus
tradicionais parceiros da União
Européia. Em setembro, o chanceler (premiê) alemão, Gerhard
Schröder, que buscava a reeleição
-mas estava mal nas pesquisas-, usou a forte oposição da
população do país a um ataque ao
Iraque como uma de suas bandeiras de campanha, sustentando
que a Alemanha não participaria
de uma ofensiva militar dos EUA
contra Saddam Hussein.
"É surpreendente que um chanceler da Alemanha, país que é um
dos maiores aliados dos EUA desde o fim da Segunda Guerra, faça
campanha francamente antiamericana para ganhar uma eleição",
avaliou Charles A. Kupchan, autor de "The End of the American
Era: U.S. Foreign Policy and the
Geopolitics of the Twenty-First
Century" (o fim da era americana:
a política externa dos EUA e a
geopolítica do século 21).
Em segundo lugar, em meados
de outubro e no início de novembro, vários Estados -liderados
pela França, de Jacques Chirac-
enfrentaram Washington na
ONU, pois não queriam que a resolução sobre o desarmamento
do Iraque contivesse uma cláusula que permitisse uma ofensiva
militar imediata caso Saddam não
obedecesse as determinações da
organização. A tese defendida pela França foi aprovada.
É verdade, contudo, que esse fenômeno não é novo. "Nos anos 50
e 60, duas coisas preocupavam os
EUA em relação à Europa. Primeiro, que a França, comandada
por Charles De Gaulle, e que a
Alemanha Ocidental pudessem
começar a operar de modo independente da política externa americana. Os EUA temiam que elas
pudessem se opor à Otan e às suas
políticas", afirmou Tilly. Entretanto, fora do contexto bipolar da
Guerra Fria, isso é incomum.
Antiamericanismo europeu
"Os EUA tendem a subestimar
as reações da opinião pública e
dos políticos europeus, o que, cada vez mais, é malvisto na Europa.
Para os países da União Européia,
a cena internacional é regida primeiro pela Justiça e depois pela
força. Isso num contexto de multilateralismo, de cooperação entre
aliados. Para Washington, a força
vem primeiro, além de o unilateralismo ser justificável na defesa
dos "interesses nacionais'", analisou Françoise de La Serre, do
Centro de Estudos e de Pesquisas
Internacionais (Paris).
De acordo com Joseph Nye, reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard
(EUA), a visão internacional negativa da política externa americana poderá até minar o "soft power" [a força internacional de um
país que advém de sua influência
cultural e ideológica sobre o restante do planeta" dos EUA.
"O "soft power" é a capacidade
de um país de obter os resultados
que quer por meio de seus atrativos, não da coerção. Ora, se o restante do mundo pensar que os
americanos tentam impor suas
idéias de modo unilateralista, os
EUA serão vistos como uma potência imperialista, o que minará
sua atratividade", explicou Nye.
Por enquanto, cabe, portanto, à
comunidade internacional e aos
defensores de um ambiente de
cooperação global apenas esperar
que os atentados terroristas desapareçam do imaginário americano e que tempos menos conturbados criem um clima mais propício ao multilateralismo.
(MSM)
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