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Medo da guerra se espalha entre moradores de Bagdá
KIM SENGUPTA
DO ""THE INDEPENDENT", EM BAGDÁ
Eles sabem que a guerra é inevitável, que muitos vão morrer e
que os sobreviventes terão suas
vidas mudadas para sempre. Eles
têm medo, sobretudo, de que
aconteça em Bagdá algo calamitoso, terrível até mesmo para os padrões vigentes neste país violento.
O otimismo cauteloso percebido há algumas semanas -a confiança de que o retorno dos inspetores da ONU pudesse impedir o
conflito- se evaporou. Comenta-se que as duas cidades que arcarão com o peso maior serão Tikrit, cidade natal de Saddam Hussein e sua base de poder, que os
EUA já ameaçaram pulverizar, e
Bagdá, onde o governo vai montar sua resistência final.
Todas as manhãs, os habitantes
de Bagdá vêem comboios de inspetores da ONU partindo em suas
buscas. Além disso, eles podem
usar um dos cibercafés na cidade
para ler na imprensa ocidental
notícias sobre como Washington
já traçou planos para o Iraque sob
a invasão e a ocupação.
A versão mais recente desses relatos, de acordo com o ""New York
Times", diz que a CIA e o Pentágono teriam identificado 2.000 integrantes da elite iraquiana e os
classificado em duas categorias:
aqueles que devem ser julgados
por crimes de guerra e os que podem ser persuadidos a voltar-se
contra o regime e a ajudar a administrar o Iraque pós-Saddam.
Fariam parte da primeira categoria militares de alta patente,
funcionários de alto nível do aparelho de segurança e inteligência,
líderes do Partido Baath, membros da família de Saddam e outras pessoas ""inextricavelmente
ligadas" a ele. Quanto ao próprio
líder iraquiano, parece ocupar
uma categoria só dele, e comenta-se que George W. Bush estaria
disposto a revogar a ordem que
proíbe o assassinato político de
dirigentes estrangeiros.
No café Shah Bandar, enquanto
via imagens na TV dos inspetores
vasculhando mais um ""local suspeito" em busca de armas de destruição em massa, o professor Karim Hassan Noor, 42, balançou a
cabeça. "Tudo é só para as aparências. Não importa se eles não
encontrarem nada -quando estiverem prontos, os EUA encontrarão uma desculpa para atacar."
Noor só tem maus presságios
quanto ao futuro. ""Já conhecemos a guerra neste país, mas desta
vez será muito pior", prevê. ""Vivemos há anos sob as sanções, e
agora seremos bombardeados
por Bush. Mas há outros problemas internos, também. Há elementos que vão tentar tirar vantagem da situação. Todo o mundo
aqui tem armas, e há muitas contas que precisam ser acertadas."
O engenheiro desempregado
Majid Hussein, concorda: "Tem
gente de lá que vai tentar entrar
aqui. Por isso temos medo por
nós mesmos e nossas famílias".
"Lá" é Saddam City, uma favela
enorme a meia hora de carro do
centro de Bagdá. Cerca de 40%
dos 10 milhões de habitantes de
Bagdá vivem na favela, e quase todos os moradores são xiitas. Os
xiitas são 60% da população iraquiana, mas o poder está principalmente nas mãos da minoria
sunita que, excluindo os curdos,
representam 16% da população.
A favela entrou em ebulição há
quatro anos, com o assassinado
do grão aiatolá Al Sadr e de dois
de seus filhos, crime atribuído por
clérigos xiitas ao governo. Ali as
pessoas vêem estranhos com receio e cautela e medem suas palavras com cuidado. Um jovem na
casa dos 20 anos explicou: ""Não
queremos que os americanos e
britânicos ataquem. Mas há muito sofrimento aqui, sim, e muitas
pessoas têm armas. Eu mesmo
não vou fazer nada, mas há gente
que vai fazer coisas muito ruins".
O iraquiano que falar publicamente sobre mudanças no regime
deve ser muito corajoso ou insensato, e Abbas Najib não é nada
disso, mas ele admite que é isso
que a guerra pode provocar. "Os
EUA vão querer instalar um fantoche no poder, ou, então, vão
querer governar o Iraque eles
mesmos", falou. ""Todos sabemos
que eles querem nosso petróleo e
vão tentar controlá-lo, custe o que
custar. Se alguma coisa acontecesse com o presidente -e todos esperamos que não aconteça-, os
iraquianos deveriam poder decidir seu próprio futuro."
Um dos principais temores de
muitos é a perspectiva de serem
usadas armas químicas e biológicas. A posição oficial iraquiana é
de que o país não as possui mais.
"É evidente que os americanos
poderiam usar essas armas contra
nós. Sabemos que eles possuem
muitas coisas desse tipo. Isso é
muito preocupante", disse Najib.
A maioria dos que podem deixar o país -diplomatas, empresários, funcionários de organizações humanitárias- pretende fazê-lo proximamente, se já não o
fez. Mas essa não é uma opção à
maioria dos moradores de Bagdá.
"Tudo o que podemos fazer é esperar. E saber que o que vai acontecer será muito ruim", diz Noor.
Tradução de Clara Allain
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