São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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Referendo é a saída, diz diplomata

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

O ex-embaixador da Venezuela nas Nações Unidas, Milos Alcalay, 58, defende um referendo popular como a saída para superar a atual crise política do seu país.
Para ele, diante dos obstáculos impostos pelo governo de Hugo Chávez para levar adiante esse processo, a única opção era a renúncia. "Não posso ficar aqui nas Nações Unidas na Comissão de Direitos Humanos e dizer que não há nada acontecendo na Venezuela. Não posso ficar aqui dizendo que a nossa democracia é perfeita", disse. A declaração foi feita na sede da ONU, em Nova York, para um grupo de quatro jornalistas. Leia, a seguir, entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Por que o senhor decidiu renunciar?
Milos Alcalay -
Fiquei muito comovido com os últimos acontecimentos. Esses acontecimentos se acumularam como uma bola de neve e chegaram a um ponto sem retorno. [A decisão] não foi repentina, mas foi profunda. Nunca tivemos uma repressão tão impressionante como a que vemos hoje. Não estou justificando a violência dos [manifestantes] violentos, mas certamente há mecanismos em todos os países do mundo para controlar manifestações. Uma manifestação civil não pode ser reprimida com tanques. O que vai acontecer agora? Não sei. Mas tenho princípios. Não posso ficar aqui nas Nações Unidas na Comissão de Direitos Humanos e dizer que não há nada acontecendo na Venezuela. Não posso ficar aqui dizendo que a nossa democracia é perfeita.

Folha - O governo atual perdeu a legitimidade?
Alcalay -
[Hugo] Chávez é o presidente eleito da Venezuela, e sobre isso não há dúvida. Mas a Constituição estabelece o referendo [para a revogação do mandato]. Se ele já ganhou tantos referendos, porque não enfrentar um referendo de novo? Se ele tem a maioria, como acho que ele possa vir a ter, por que esperar? Se ele tiver a minoria, ele tem que obedecer às regras do jogo da democracia. Minha preocupação é que vejo muitas ações capciosas feitas pelo Conselho Nacional Eleitoral.

Folha - Que papel a política externa do Brasil pode exercer?
Alcalay -
O Brasil e a Venezuela são países vizinhos. Têm muito a construir juntos e devem continuar a construir essa relação. Mas eu não acho que o presidente Lula tenha a intenção de ir além das suas possibilidades. Algumas pessoas da oposição na Venezuela acham que todos os outros países têm que correr e salvar a Venezuela. Isso é impossível. A Venezuela tem que ser salva pelos venezuelanos. Não podemos esperar que os Estados Unidos, a OEA [Organização dos Estados Americanos] e outros intervenham. Temos que fazer o nosso próprio trabalho. Temos que ser mestres do nosso destino, mas podemos acolher orientações dos vizinhos.


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