|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MISSÃO NO CARIBE
Soldado gaúcho diz sonhar com imagens que viu de pessoas queimadas vivas; família quer processar União
Militar volta do Haiti com síndrome do pânico
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM TRÊS COROAS (RS)
A síndrome do pânico, uma
doença psiquiátrica que pode ser
gerada por situações de grande
estresse ou ansiedade, foi o diagnóstico recebido por Tailon Ruppenthal, 22, depois de servir de junho a dezembro de 2004 como
soldado na força de paz da ONU
no Haiti.
Ruppenthal conversou com a
reportagem da Folha na casa de
sua família, na cidade gaúcha de
Três Coroas, a 98 km de Porto
Alegre. Seis meses antes de integrar a missão no Haiti, como voluntário, ele havia entrado no 19º
Batalhão de Infantaria Motorizada de São Leopoldo (RS). Hoje,
desligado do Exército brasileiro,
diz estar arrependido.
"Vi gente sendo queimada viva.
Tive de trocar tiros com milícias e
pedir licença para as pessoas saírem da frente. Elas ficavam em
meio ao fogo cruzado sem se importar com a perda da própria vida", afirma sobre a situação em
Porto Príncipe, capital haitiana.
"Quando pensei que via um
porco morto ao meu lado, olhei
melhor e constatei se tratar de
uma criança de uns três anos,
completamente carbonizada. Era
cheiro de podridão com a imagem de corpos a céu aberto. Certa
vez, aproximei-me do que pareciam pneus em chamas de uma
barricada e vi que eram pessoas."
Pessoas morrendo queimadas
são personagens diárias de seus
sonhos. Para dormir, o ex-soldado toma meio Lexotan, acompanhado de outros dois remédios
que lhe foram ministrados pelo
psiquiatra particular Luís Guilherme Streb, com quem se trata:
Depakene 250, para bipolaridade,
e o antidepressivo Sertralina. O
valor da despesa com remédios
chega a R$ 330 mensais.
Alguns sintomas da síndrome
de pânico, diagnosticada no ex-soldado por Streb, são medo de
sair de casa, sensação de perigo
iminente, falta de ar e vertigens.
As dificuldades de Ruppenthal
vão da agitação em locais fechados ao sonambulismo, passando
pela impossibilidade de freqüentar ambientes com muitas pessoas e de ter um sono tranqüilo.
A mãe de Ruppenthal, Marileusa, 46, pretende recorrer à Justiça
contra a União para ter ajuda no
tratamento do filho e talvez pleitear uma indenização. O psiquiatra lhe disse que seu filho ficará
com seqüelas do trauma ocorrido
quando servia na missão militar.
Além dos males da saúde, Ruppenthal gastou os R$ 20 mil que
conseguiu trazer do Haiti -boa
parte com bebida alcoólica.
Ruppenthal foi dispensado do
Exército em março do ano passado. Ele iria servir nas Forças Armadas pelo prazo de um ano, que
poderia ser prorrogado por mais
seis, o que não ocorreu. Depois
disso, ele foi trabalhar como diagramador em um jornal de Três
Coroas. O jornal fechou, e Ruppenthal, cuja família é de classe
média, passou a trabalhar como
frentista, para ganhar R$ 600
mensais por meio turno.
Com o temperamento agressivo
que assumiu em razão dos problemas emocionais, ele brigou
com amigos e colegas de trabalho.
Atualmente, está de licença do
trabalho de frentista para tratamento de saúde.
Contrariando depoimentos reservados de outros militares,
Ruppenthal se diz frustrado com
a atuação brasileira no Haiti. "No
terceiro mês, as pessoas se cansaram de nos ver subir e descer ruas,
fazendo escolta para autoridades.
Trocaram aplausos por vaias, pedradas e garrafadas. Sabe o que é
ver uma criança se esforçar para
falar a palavra água em português
apenas para pedir um copo?".
"Nos últimos dias, resolvemos
juntar o que sobrou da nossa comida e para dar àquela gente. Juntamos um caminhão. Mas era
pouco. Queriam que a gente fosse
embora. A única trégua ocorreu
quando a seleção brasileira jogou
lá [em agosto de 2004]", afirma.
Ruppenthal diz que só começou
a sentir os sintomas da síndrome
de pânico e da depressão dois meses após voltar ao Brasil. "Lá, não
dava tempo para pensar. Aqui,
processei tudo e entrei em depressão. Entre nós [os soldados], comentávamos muito os rumos que
as coisas estavam tomando. A
maioria estava infeliz."
Texto Anterior: Eua: Republicano que aceitou propina vai para a cadeia Próximo Texto: Outro lado: Exército diz não ter constatado problemas com o ex-soldado Índice
|