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Mídia árabe destaca sofrimento de civis causado por EUA
SUSAN SACHS
DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO
Tratava-se de uma imagem de
dor e de ódio árabes. Um adolescente observava, visivelmente irritado, uma mulher coberta com
um véu, que chorava ao lado do
cadáver de um parente entre os
escombros de um prédio bombardeado, no Iraque.
Na verdade, havia sempre duas
imagens no site do popular diário
saudita "Al Watan" nesta semana:
uma da guerra liderada pelos
EUA contra o Iraque ao lado de
uma dos territórios palestinos, na
Cisjordânia ou na faixa de Gaza.
O significado das imagens é claro para qualquer árabe: o que
ocorre no Iraque faz parte do contínuo ataque aos árabes -onde
quer que eles estejam- realizado
pelos EUA e por seus aliados.
Com a guerra já em sua terceira
semana, a mídia do Oriente Médio intensifica a veiculação de
imagens desse conflito e de outros, mostrando cenas das ações
dos inimigos e pintando um quadro bastante sangrento.
A bandeira de Israel aparece, de
repente, sobre a bandeira dos
EUA. As Cruzadas e o saque a
Bagdá feito pelos mongóis, lembrados como ataques de bárbaros
contra a civilização árabe, são
usados como sinônimos da ofensiva dos EUA contra o Iraque.
Cenas aterrorizantes de crianças sem braços, de bebês esmagados e de mães em estado de choque são mostradas exaustivamente, entrando nas casas das populações árabes tanto pelos jornais
quanto pelas televisões.
Para líderes árabes e a parcela
moderada da população da região, apoiados por Washington, a
guerra se tornou uma crise política, agravada por protestos nas
ruas, exortações à guerra santa e
críticas públicas às ligações das
autoridades árabes com os EUA.
Eles torciam por uma guerra
curta -com poucas imagens de
civis iraquianos mortos. Em vez
disso, porém, a mídia árabe classifica os soldados americanos de assassinos insensíveis e sustenta
que só a resistência aos EUA poderá restabelecer o orgulho árabe.
"A mídia vem fazendo uma
aposta muito perigosa durante esse conflito", afirmou Abdel Moneim Said, diretor do Centro Al
Ahram para Estudos Políticos e
Estratégicos (Cairo). "A análise de
sua retórica e de suas imagens
mostra que ela está levando a região ao pior dos pesadelos: o choque de civilizações", acrescentou.
O sensacionalismo não tomou
conta de toda a mídia árabe. Alguns jornais estatais, como o
egípcio "Al Ahram", e os dois diários árabes que têm sede em Londres, o "Al Hayat" e o "Asharq al
Awsat", têm feito uma cobertura
imparcial da guerra. Eles mostram feridos em hospitais iraquianos, mas evitam publicar as imagens chocantes que cobrem as páginas de seus concorrentes.
Na maioria dos países da região,
o governo indica os editores dos
jornais. Até o saudita "Al Watan",
que é privado, tem de respeitar a
linha imposta pelo governo.
Quem exerce a maior influência
sobre a cobertura da mídia árabe
é a rede de notícias Al Jazeera, do
Qatar, que começou a funcionar
em 1996. Afinal, ela ganhou fama
ao mostrar imagens dos horrores
do conflito israelo-palestino.
Com isso, o ódio aos EUA é alimentado por essas imagens de civis iraquianos feridos ou mortos,
às vezes desmembrados, classificados de vítimas dos bombardeios americanos. Nos últimos
dias, vários jornais começaram a
acusar os soldados americanos de
matar civis voluntariamente.
Mesmo para populações acostumadas a ver imagens sangrentas do conflito entre israelenses e
palestinos, a onda de imagens
aterradoras do Iraque pode ser
considerada revoltante.
Boa parte dos jornais e das TVs
árabes não esconde que pretende
insistir nessas imagens. Segundo
os editores dos jornais e os responsáveis pelas TVs, a guerra é
uma carnificina, e não faz sentido
calar os gritos dos feridos ou esconder as entranhas dos mortos.
O antiamericanismo existia no
mundo árabe muito antes da
guerra, pois a política dos EUA é
considerada claramente favorável
a Israel. Mas o apoio aos iraquianos, amplificado pelas imagens
dos mortos e feridos na mídia, intensificou esse sentimento.
Em protestos, os árabes exortam seus líderes a agir contra os
EUA, expulsando seus diplomatas ou fechando o espaço aéreo.
Os dirigentes árabes -pragmáticos por conta da necessidade-
tentam acalmar a situação, mas
preocupam-se em não pôr em risco seus acordos com Washington
(defesa e ajuda financeira).
Embora estejam preocupados
com o crescimento da irritação
popular, os políticos árabes sabem que, salvo exceção, os manifestantes contrários à guerra não
vão invadir seus palácios e gabinetes. Afinal, as mudanças de governo não costumam ocorrer dessa forma na região.
Por outro lado, os líderes árabes
moderados sabem que alguém
pode tentar tirar proveito da instabilidade, tramando um golpe.
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