UOL


São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mídia árabe destaca sofrimento de civis causado por EUA

SUSAN SACHS
DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO

Tratava-se de uma imagem de dor e de ódio árabes. Um adolescente observava, visivelmente irritado, uma mulher coberta com um véu, que chorava ao lado do cadáver de um parente entre os escombros de um prédio bombardeado, no Iraque.
Na verdade, havia sempre duas imagens no site do popular diário saudita "Al Watan" nesta semana: uma da guerra liderada pelos EUA contra o Iraque ao lado de uma dos territórios palestinos, na Cisjordânia ou na faixa de Gaza.
O significado das imagens é claro para qualquer árabe: o que ocorre no Iraque faz parte do contínuo ataque aos árabes -onde quer que eles estejam- realizado pelos EUA e por seus aliados.
Com a guerra já em sua terceira semana, a mídia do Oriente Médio intensifica a veiculação de imagens desse conflito e de outros, mostrando cenas das ações dos inimigos e pintando um quadro bastante sangrento.
A bandeira de Israel aparece, de repente, sobre a bandeira dos EUA. As Cruzadas e o saque a Bagdá feito pelos mongóis, lembrados como ataques de bárbaros contra a civilização árabe, são usados como sinônimos da ofensiva dos EUA contra o Iraque.
Cenas aterrorizantes de crianças sem braços, de bebês esmagados e de mães em estado de choque são mostradas exaustivamente, entrando nas casas das populações árabes tanto pelos jornais quanto pelas televisões.
Para líderes árabes e a parcela moderada da população da região, apoiados por Washington, a guerra se tornou uma crise política, agravada por protestos nas ruas, exortações à guerra santa e críticas públicas às ligações das autoridades árabes com os EUA.
Eles torciam por uma guerra curta -com poucas imagens de civis iraquianos mortos. Em vez disso, porém, a mídia árabe classifica os soldados americanos de assassinos insensíveis e sustenta que só a resistência aos EUA poderá restabelecer o orgulho árabe.
"A mídia vem fazendo uma aposta muito perigosa durante esse conflito", afirmou Abdel Moneim Said, diretor do Centro Al Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos (Cairo). "A análise de sua retórica e de suas imagens mostra que ela está levando a região ao pior dos pesadelos: o choque de civilizações", acrescentou.
O sensacionalismo não tomou conta de toda a mídia árabe. Alguns jornais estatais, como o egípcio "Al Ahram", e os dois diários árabes que têm sede em Londres, o "Al Hayat" e o "Asharq al Awsat", têm feito uma cobertura imparcial da guerra. Eles mostram feridos em hospitais iraquianos, mas evitam publicar as imagens chocantes que cobrem as páginas de seus concorrentes.
Na maioria dos países da região, o governo indica os editores dos jornais. Até o saudita "Al Watan", que é privado, tem de respeitar a linha imposta pelo governo.
Quem exerce a maior influência sobre a cobertura da mídia árabe é a rede de notícias Al Jazeera, do Qatar, que começou a funcionar em 1996. Afinal, ela ganhou fama ao mostrar imagens dos horrores do conflito israelo-palestino.
Com isso, o ódio aos EUA é alimentado por essas imagens de civis iraquianos feridos ou mortos, às vezes desmembrados, classificados de vítimas dos bombardeios americanos. Nos últimos dias, vários jornais começaram a acusar os soldados americanos de matar civis voluntariamente.
Mesmo para populações acostumadas a ver imagens sangrentas do conflito entre israelenses e palestinos, a onda de imagens aterradoras do Iraque pode ser considerada revoltante.
Boa parte dos jornais e das TVs árabes não esconde que pretende insistir nessas imagens. Segundo os editores dos jornais e os responsáveis pelas TVs, a guerra é uma carnificina, e não faz sentido calar os gritos dos feridos ou esconder as entranhas dos mortos.
O antiamericanismo existia no mundo árabe muito antes da guerra, pois a política dos EUA é considerada claramente favorável a Israel. Mas o apoio aos iraquianos, amplificado pelas imagens dos mortos e feridos na mídia, intensificou esse sentimento.
Em protestos, os árabes exortam seus líderes a agir contra os EUA, expulsando seus diplomatas ou fechando o espaço aéreo. Os dirigentes árabes -pragmáticos por conta da necessidade- tentam acalmar a situação, mas preocupam-se em não pôr em risco seus acordos com Washington (defesa e ajuda financeira).
Embora estejam preocupados com o crescimento da irritação popular, os políticos árabes sabem que, salvo exceção, os manifestantes contrários à guerra não vão invadir seus palácios e gabinetes. Afinal, as mudanças de governo não costumam ocorrer dessa forma na região.
Por outro lado, os líderes árabes moderados sabem que alguém pode tentar tirar proveito da instabilidade, tramando um golpe.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Morre primeiro correspondente "embutido" em tropas americanas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.