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A MORTE DO PAPA
Praça que tem ao fundo basílica de São Pedro se transforma, com instalações de TVs do mundo todo, em torre de Babel de jornalistas
Circo da mídia se arma no Vaticano
DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA
A Torre de Babel existe, fica a
menos de um quilômetro do Vaticano, mas não é uma torre. É apenas uma praça, a Giovanni 23, das
menos badaladas no mapa turístico de Roma, à sombra do Castelo
de Santo Ângelo, ex-prisão e ex-local de torturas do Vaticano.
É lá que se instalaram as tendas,
parabólicas, microfones, fios e
veículos de televisões do mundo
todo, além, é claro, de repórteres e
técnicos, para acompanhar, primeiro, a morte do papa, agora as
cerimônias fúnebres e, por fim, a
eleição do sucessor.
O local não é nada atraente, mas
tem uma vantagem imbatível para quem vive de imagens: ao fundo fica a cúpula da Basílica de São
Pedro, uma das obras-primas de
Michelangelo.
Por isso, ontem na hora do almoço, era possível ver a Babel em
ação: num extremo, o repórter da
RTL alemã fazia o seu "stand-up"
(aquela fala em que o repórter
aparece no intervalo das imagens
do fato que relata). Ao lado dele,
uma das enviadas especiais da
onipresente CNN. Um pouquinho mais ao lado, uma jornalista
romena (da TV nacional).
"É o circo da mídia", afirmava,
com um misto de ironia e agressividade, a turista espanhola Maricarmen Cruz. Claro que os próprios jornalistas preferem algo
menos agressivo, como "cidadela
da mídia", o codinome usado pelo Sky TG24, canal de notícias 24
horas da Itália.
Se é circo ou cidadela, os artistas
(ou guerreiros) choram em ocasiões como essa. Alessio Vinci,
chefe do escritório da CNN em
Roma, um dos poucos jornalistas
convidados para prestar homenagem ao papa na Sala Clementina,
onde ficou exposto até a tarde de
ontem, diz que viu correspondentes mais velhos muito emocionados. "Alguns choraram", relata.
O papa parece capaz de despertar sentimentos mesmo em uma
categoria que é, em geral, tida como insensível, incapaz de se comover com as tragédias que é
obrigada a testemunhar.
Conta, por exemplo, Maina
Muiruri ("The Standard", do
Quênia) que cobrir a visita de
João Paulo 2º ao Quênia, foi o seu
"dia de glória" (talvez por ter sido
seminarista, antes de se tornar
jornalista).
Mas há também quem seja tremendamente cáustico com o desempenho dos jornais na cobertura da agonia e morte do papa
João Paulo 2º. Caso, por exemplo,
de Francesco Merlo, em coluna
ontem publicada pelo jornal
"Corriere della Sera":
"(Os jornais) se imaginam, todos, místicos e devotos monomaníacos, todos ermeneutas da
Trindade, todos professores de
Cristologia".
Merlo reclama também do fato
de que cada jornal retrata João
Paulo 2º de acordo com suas próprias preferências políticas.
"Em L'Unitá [o tradicional jornal do ex-Partido Comunista], o
papa parece um democrata de esquerda; no "Giornale", um berlusconiano" (em alusão às simpatias
desta publicação pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi).
Tudo somado, a Babel não é
apenas de idiomas, mas de visões
do papa morto e do mundo.
(CLÓVIS ROSSI)
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