São Paulo, terça-feira, 05 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Praça que tem ao fundo basílica de São Pedro se transforma, com instalações de TVs do mundo todo, em torre de Babel de jornalistas

Circo da mídia se arma no Vaticano

DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

A Torre de Babel existe, fica a menos de um quilômetro do Vaticano, mas não é uma torre. É apenas uma praça, a Giovanni 23, das menos badaladas no mapa turístico de Roma, à sombra do Castelo de Santo Ângelo, ex-prisão e ex-local de torturas do Vaticano.
É lá que se instalaram as tendas, parabólicas, microfones, fios e veículos de televisões do mundo todo, além, é claro, de repórteres e técnicos, para acompanhar, primeiro, a morte do papa, agora as cerimônias fúnebres e, por fim, a eleição do sucessor.
O local não é nada atraente, mas tem uma vantagem imbatível para quem vive de imagens: ao fundo fica a cúpula da Basílica de São Pedro, uma das obras-primas de Michelangelo.
Por isso, ontem na hora do almoço, era possível ver a Babel em ação: num extremo, o repórter da RTL alemã fazia o seu "stand-up" (aquela fala em que o repórter aparece no intervalo das imagens do fato que relata). Ao lado dele, uma das enviadas especiais da onipresente CNN. Um pouquinho mais ao lado, uma jornalista romena (da TV nacional).
"É o circo da mídia", afirmava, com um misto de ironia e agressividade, a turista espanhola Maricarmen Cruz. Claro que os próprios jornalistas preferem algo menos agressivo, como "cidadela da mídia", o codinome usado pelo Sky TG24, canal de notícias 24 horas da Itália.
Se é circo ou cidadela, os artistas (ou guerreiros) choram em ocasiões como essa. Alessio Vinci, chefe do escritório da CNN em Roma, um dos poucos jornalistas convidados para prestar homenagem ao papa na Sala Clementina, onde ficou exposto até a tarde de ontem, diz que viu correspondentes mais velhos muito emocionados. "Alguns choraram", relata.
O papa parece capaz de despertar sentimentos mesmo em uma categoria que é, em geral, tida como insensível, incapaz de se comover com as tragédias que é obrigada a testemunhar.
Conta, por exemplo, Maina Muiruri ("The Standard", do Quênia) que cobrir a visita de João Paulo 2º ao Quênia, foi o seu "dia de glória" (talvez por ter sido seminarista, antes de se tornar jornalista).
Mas há também quem seja tremendamente cáustico com o desempenho dos jornais na cobertura da agonia e morte do papa João Paulo 2º. Caso, por exemplo, de Francesco Merlo, em coluna ontem publicada pelo jornal "Corriere della Sera":
"(Os jornais) se imaginam, todos, místicos e devotos monomaníacos, todos ermeneutas da Trindade, todos professores de Cristologia".
Merlo reclama também do fato de que cada jornal retrata João Paulo 2º de acordo com suas próprias preferências políticas.
"Em L'Unitá [o tradicional jornal do ex-Partido Comunista], o papa parece um democrata de esquerda; no "Giornale", um berlusconiano" (em alusão às simpatias desta publicação pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi).
Tudo somado, a Babel não é apenas de idiomas, mas de visões do papa morto e do mundo. (CLÓVIS ROSSI)


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