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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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MEMÓRIAS

Trechos de autobiografia em que a ex-primeira-dama americana fala da infidelidade do marido são revelados

"Quis torcer o pescoço de Bill", diz Hillary em seu livro

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Bill Clinton acaba de acordar sua mulher, Hillary, na cama que dividem na Casa Branca. É a manhã de 18 de agosto de 1998, e o então presidente dos Estados Unidos está a dias de testemunhar diante do júri de inquérito convocado por Kenneth Starr.
O promotor independente quer provar que o supremo mandatário do Executivo norte-americano usa de modo constante seu cargo para obter favores pessoais, o que poderia levá-lo ao impeachment. Para tanto, acusa Clinton de ter mantido relações sexuais com a ex-estagiária Monica Lewinsky.
Clinton vem negando a relação sistematicamente, auxiliado por sua mulher. Até agora. Aos poucos, ele conta para a primeira-dama que teve intimidade "inapropriada" com Lewinsky, por um período "breve".
Hillary explode em choro, enquanto pergunta "por quê?". Depois, teria vontade de "torcer seu pescoço" e diria que o cachorro do casal, Buddy, era o único da família que ainda queria a companhia de Bill. E conclui: "As decisões mais difíceis que tomei foram continuar casada com ele e concorrer ao Senado."
Ficção barata? Romance de moças? Não, o livro de memórias "Living History" (história viva, mas também um trocadilho com "vivendo a história"), de Hillary Rodham Clinton, ex-primeira-dama (1993-2000) e atual senadora pelo Estado de Nova York, 55, que chega às livrarias norte-americanas nesta segunda e no qual ela lava em público pela primeira vez a roupa suja da infidelidade do marido que viria a marcar a história recente dos EUA e do mundo.
Os trechos inéditos foram revelados na madrugada de ontem pela agência de notícias Associated Press. Além de Lewinsky, ela comenta o caso Whitewater, em que o casal teve de responder a suspeitas de envolvimento em uma operação imobiliária irregular.
Ontem, depois de semanas de silêncio, a ex-primeira-dama resolveu comentar os trechos revelados. Dizendo que o livro é muito mais do que o "affair" Monica Lewinsky, ela falou que escreveu sobre "um período extraordinário de minha vida e da vida do país".
Como tudo em sua vida, também o lançamento da autobiografia chega envolto em polêmicas. A começar pelo vazamento. A Associated Press obteve um exemplar por vias que não quis revelar.
Isso estragou o esquema draconiano de divulgação armado pela editora Simon & Schuster. Para começar, nenhum jornalista receberia o livro antes de este chegar às livrarias, diferentemente do que é praxe em se tratando de lançamentos literários desse peso.
Depois, a ex-primeira-dama só daria entrevista a uma única jornalista, a âncora veterana Barbara Walters, do "20/20" -a conversa iria ao ar neste domingo. Além disso, a revista semanal "Time" pagou US$ 100 mil pelo direito de publicar um trecho exclusivo em sua edição que chega às bancas também na segunda-feira.
Agora todos pensam em cancelar os acordos, já que o contrato de exclusividade foi rompido. A editora estuda meios de processar a Associated Press, que respondeu que a "empresa não desrespeitou nenhuma lei, só praticou a boa e velha arte da reportagem".
Foram levantadas dúvidas também quanto à autoria. O jornalista ultraconservador Matt Drudge, o mesmo que revelou o escândalo Monica Lewinsky em 1998, colocou em seu site nota atribuindo parte do livro aos escritores Maryanne Vollers e Ruby Shamir e à jornalista e ghost writer Lissa Muscatine. A senadora nega.
Do lado político, a vida também não anda fácil. Em Washington, Hillary Clinton enfrenta críticas de parte da população que a elegeu, que a acusa de ter "virado a casaca". A ex-primeira-dama só venceu o republicano Rick Lazio em 2000 na corrida ao Senado por Nova York por ter conquistado a parcela progressista do Estado, principalmente em Manhattan.
A acusação tem algum fundo de verdade. Na época, Hillary Clinton defendia a união civil de pessoas de mesmo sexo, entre outras bandeiras polêmicas. Desde que assumiu sua cadeira em Washington, porém, vem se alinhando com a área mais ao centro.
De olho nas eleições presidenciais de 2008, Hillary Clinton quer parecer "menos perigosa" ao cobiçado eleitorado conservador, que deve reeleger o republicano George W. Bush no ano que vem. Dessa maneira, não é exagero pensar que vem a calhar a lavação de roupa suja que "Living History" promove agora.


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