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MEMÓRIAS
Trechos de autobiografia em que a ex-primeira-dama americana fala da infidelidade do marido são revelados
"Quis torcer o pescoço de Bill", diz Hillary em seu livro
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Bill Clinton acaba de acordar
sua mulher, Hillary, na cama que
dividem na Casa Branca. É a manhã de 18 de agosto de 1998, e o
então presidente dos Estados
Unidos está a dias de testemunhar
diante do júri de inquérito convocado por Kenneth Starr.
O promotor independente quer
provar que o supremo mandatário do Executivo norte-americano
usa de modo constante seu cargo
para obter favores pessoais, o que
poderia levá-lo ao impeachment.
Para tanto, acusa Clinton de ter
mantido relações sexuais com a
ex-estagiária Monica Lewinsky.
Clinton vem negando a relação
sistematicamente, auxiliado por
sua mulher. Até agora. Aos poucos, ele conta para a primeira-dama que teve intimidade "inapropriada" com Lewinsky, por um
período "breve".
Hillary explode em choro, enquanto pergunta "por quê?". Depois, teria vontade de "torcer seu
pescoço" e diria que o cachorro
do casal, Buddy, era o único da família que ainda queria a companhia de Bill. E conclui: "As decisões mais difíceis que tomei foram continuar casada com ele e
concorrer ao Senado."
Ficção barata? Romance de moças? Não, o livro de memórias "Living History" (história viva, mas
também um trocadilho com "vivendo a história"), de Hillary Rodham Clinton, ex-primeira-dama
(1993-2000) e atual senadora pelo
Estado de Nova York, 55, que chega às livrarias norte-americanas
nesta segunda e no qual ela lava
em público pela primeira vez a
roupa suja da infidelidade do marido que viria a marcar a história
recente dos EUA e do mundo.
Os trechos inéditos foram revelados na madrugada de ontem pela agência de notícias Associated
Press. Além de Lewinsky, ela comenta o caso Whitewater, em que
o casal teve de responder a suspeitas de envolvimento em uma operação imobiliária irregular.
Ontem, depois de semanas de
silêncio, a ex-primeira-dama resolveu comentar os trechos revelados. Dizendo que o livro é muito
mais do que o "affair" Monica Lewinsky, ela falou que escreveu sobre "um período extraordinário
de minha vida e da vida do país".
Como tudo em sua vida, também o lançamento da autobiografia chega envolto em polêmicas. A
começar pelo vazamento. A Associated Press obteve um exemplar
por vias que não quis revelar.
Isso estragou o esquema draconiano de divulgação armado pela
editora Simon & Schuster. Para
começar, nenhum jornalista receberia o livro antes de este chegar
às livrarias, diferentemente do
que é praxe em se tratando de lançamentos literários desse peso.
Depois, a ex-primeira-dama só
daria entrevista a uma única jornalista, a âncora veterana Barbara
Walters, do "20/20" -a conversa
iria ao ar neste domingo. Além
disso, a revista semanal "Time"
pagou US$ 100 mil pelo direito de
publicar um trecho exclusivo em
sua edição que chega às bancas
também na segunda-feira.
Agora todos pensam em cancelar os acordos, já que o contrato
de exclusividade foi rompido. A
editora estuda meios de processar
a Associated Press, que respondeu que a "empresa não desrespeitou nenhuma lei, só praticou a
boa e velha arte da reportagem".
Foram levantadas dúvidas também quanto à autoria. O jornalista
ultraconservador Matt Drudge, o
mesmo que revelou o escândalo
Monica Lewinsky em 1998, colocou em seu site nota atribuindo
parte do livro aos escritores Maryanne Vollers e Ruby Shamir e à
jornalista e ghost writer Lissa
Muscatine. A senadora nega.
Do lado político, a vida também
não anda fácil. Em Washington,
Hillary Clinton enfrenta críticas
de parte da população que a elegeu, que a acusa de ter "virado a
casaca". A ex-primeira-dama só
venceu o republicano Rick Lazio
em 2000 na corrida ao Senado por
Nova York por ter conquistado a
parcela progressista do Estado,
principalmente em Manhattan.
A acusação tem algum fundo de
verdade. Na época, Hillary Clinton defendia a união civil de pessoas de mesmo sexo, entre outras
bandeiras polêmicas. Desde que
assumiu sua cadeira em Washington, porém, vem se alinhando com a área mais ao centro.
De olho nas eleições presidenciais de 2008, Hillary Clinton quer
parecer "menos perigosa" ao cobiçado eleitorado conservador,
que deve reeleger o republicano
George W. Bush no ano que vem.
Dessa maneira, não é exagero
pensar que vem a calhar a lavação
de roupa suja que "Living History" promove agora.
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