São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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Para o presidente, "neoliberalismo está sempre disposto a se impor"

DO ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

Com mais nove meses de Presidência pela frente, Ricardo Lagos Escobar, 67, diz não ter conseguido baixar substancialmente as taxas de desemprego no Chile, hoje em torno de 9%, e lamenta não deixar uma legislação ambiental. Eis trechos de sua entrevista à Folha, feita no último dia 27 à noite, na cabina do avião presidencial chileno, no vôo entre Iquique, ao norte do país, e Santiago. (JBN)

Folha - Como justificar o desempenho apenas sofrível de seu governo no campo do desemprego?
Ricardo Lagos -
Os níveis de desemprego permaneceram elevados por duas razões. Quando o Chile enfrentou a última crise [1998, por efeito da crise asiática], quem tinha cem assalariados precisou reduzi-los a 80. Mas, com a recuperação, em lugar de contratar os 20 dispensados, a empresa contratou apenas dez. Houve uma alta da produtividade. Os 90 produzem mais e melhor do que os cem anteriores. A economia ficou mais competitiva. O segundo fator está na alta da participação feminina na mão-de-obra ativa.

Folha - Qual é a relação do desemprego com as mulheres?
Lagos -
No último ano criamos em torno de 200 mil novos empregos. Mas eles foram insuficientes porque não se tratava de recrutar desempregados. Era preciso também abrir vagas para os que estavam batendo às portas do mercado pela primeira vez. Entre estes há um contingente significativo de mulheres. Criamos o seguro-desemprego. Mas ele não se aplica àqueles ou àquelas que ainda não trabalharam.

Folha - Qual a outra grande lacuna que seu governo deixa?
Lagos -
Gostaria de ter conseguido avanços na legislação ambiental. Tínhamos um certo quadro de definição. Mas os temas rapidamente se partidarizavam e perdiam o rumo necessário para a produção de boas leis.

Folha - O Chile está com tratados de livre comércio com os EUA e com a União Européia. E o Mercosul?
Lagos -
O Mercosul é importante, mas acredito que ele enfrente dificuldades porque se limitou a ser uma zona de livre comércio, sem a coordenação das políticas macroeconômicas, o que impediria que mudanças num determinado país-membro acabem prejudicando o outro.

Folha - O sr. chega a seu último ano de governo com 67% de aprovação. A candidata governista herdará essa taxa?
Lagos -
Trata-se de uma taxa positiva que diz respeito a mim, mas também aos integrantes do governo e à Concertación, a nossa coligação partidária. Caso a coligação não cometa nenhum erro grave não há razão para temer que sua candidata não seja eleita.

Folha - O Chile não fez cortes em seus gastos sociais. Foi porque não havia por aqui compromisso com o FMI e a necessidade de gerar superávits primários?
Lagos -
Por nossa situação econômica não precisamos fazer acordos com o FMI. E também acredito que o FMI valorize países com menos problemas como o Chile, acreditando que seja preferível a aplicação de políticas centradas na área social. Mas precisamos permanecer atentos. O neoliberalismo está sempre disposto a se impor. (JBN)


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