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Para o presidente, "neoliberalismo
está sempre disposto a se impor"
DO ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO
Com mais nove meses de Presidência pela frente, Ricardo Lagos
Escobar, 67, diz não ter conseguido baixar substancialmente as taxas de desemprego no Chile, hoje
em torno de 9%, e lamenta não
deixar uma legislação ambiental.
Eis trechos de sua entrevista à Folha, feita no último dia 27 à noite,
na cabina do avião presidencial
chileno, no vôo entre Iquique, ao
norte do país, e Santiago.
(JBN)
Folha - Como justificar o desempenho apenas sofrível de seu governo no campo do desemprego?
Ricardo Lagos - Os níveis de desemprego permaneceram elevados por duas razões. Quando o
Chile enfrentou a última crise
[1998, por efeito da crise asiática],
quem tinha cem assalariados precisou reduzi-los a 80. Mas, com a
recuperação, em lugar de contratar os 20 dispensados, a empresa
contratou apenas dez. Houve
uma alta da produtividade. Os 90
produzem mais e melhor do que
os cem anteriores. A economia ficou mais competitiva. O segundo
fator está na alta da participação
feminina na mão-de-obra ativa.
Folha - Qual é a relação do desemprego com as mulheres?
Lagos - No último ano criamos
em torno de 200 mil novos empregos. Mas eles foram insuficientes porque não se tratava de recrutar desempregados. Era preciso também abrir vagas para os
que estavam batendo às portas do
mercado pela primeira vez. Entre
estes há um contingente significativo de mulheres. Criamos o seguro-desemprego. Mas ele não se
aplica àqueles ou àquelas que ainda não trabalharam.
Folha - Qual a outra grande lacuna que seu governo deixa?
Lagos - Gostaria de ter conseguido avanços na legislação ambiental. Tínhamos um certo quadro de
definição. Mas os temas rapidamente se partidarizavam e perdiam o rumo necessário para a
produção de boas leis.
Folha - O Chile está com tratados
de livre comércio com os EUA e com
a União Européia. E o Mercosul?
Lagos - O Mercosul é importante, mas acredito que ele enfrente
dificuldades porque se limitou a
ser uma zona de livre comércio,
sem a coordenação das políticas
macroeconômicas, o que impediria que mudanças num determinado país-membro acabem prejudicando o outro.
Folha - O sr. chega a seu último
ano de governo com 67% de aprovação. A candidata governista herdará essa taxa?
Lagos - Trata-se de uma taxa positiva que diz respeito a mim, mas
também aos integrantes do governo e à Concertación, a nossa
coligação partidária. Caso a coligação não cometa nenhum erro
grave não há razão para temer
que sua candidata não seja eleita.
Folha - O Chile não fez cortes em
seus gastos sociais. Foi porque não
havia por aqui compromisso com o
FMI e a necessidade de gerar superávits primários?
Lagos - Por nossa situação econômica não precisamos fazer
acordos com o FMI. E também
acredito que o FMI valorize países
com menos problemas como o
Chile, acreditando que seja preferível a aplicação de políticas centradas na área social. Mas precisamos permanecer atentos. O neoliberalismo está sempre disposto a
se impor.
(JBN)
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