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Greve estudantil vira atração no Chile
Após conquistarem a simpatia do país e provocarem primeira crise sob Bachelet, estudantes promovem hoje paralisação nacional
Acampados em colégios para protestar contra custos e condições de educação, "pingüins" aproveitam para paquerar e aparecer na TV
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO
Tarde de sábado. Um garoto
de 15 anos, na porta de um dos
651 colégios ocupados por estudantes no Chile, pede a identificação de Tomas Hirsch, candidato do Partido Humanista a
presidente na última eleição.
Ele, como um punhado de sindicalistas e militantes, quer entrar na assembléia estudantil e
dar seu apoio, diante das câmeras, ao movimento que se converteu na primeira crise do governo de Michelle Bachelet.
A cena resume a última semana: o país assiste, simpático
e espantado, à "revolta dos pingüins", uma referência ao uniforme com gravata dos secundaristas. Eles cobram benefícios e mudanças na lei educacional e, apesar das medidas
lançadas pelo governo quinta
passada, mantiveram a convocação para uma greve nacional
hoje, à qual aderiram professores, universitários e sindicatos
de funcionários públicos.
Os estudantes já mostraram
seu poder de mobilização ao levar estimados 600 mil às ruas
de Santiago na última terça -a
maior manifestação desde a
volta da democracia ao país, em
1990. Houve confronto com a
polícia, e 730 foram detidos.
Hoje, prometem não fazer passeata: só atos nas escolas tomadas. Sindicalistas e partidos de
esquerda, porém, já anunciaram que vão às ruas.
Para sair da berlinda, Bachelet aposta no que a imprensa local chama de "tom maternal",
termo repetido com ironia pelos estudantes, no desgaste do
movimento e em suas divisões.
Na última quinta, ela foi à TV
anunciar que daria US$ 132 milhões anuais para cobrir parte
das demandas. Ampliou a vigência do passe escolar e os
subsídios para quem não pode
pagar o vestibular, entre outras
medidas. Convenceu as lideranças moderadas, mas não a
ala radical, que ratificou a greve
de hoje na reunião de sábado,
acompanhada pela Folha.
Holofotes
Foi concorrida a assembléia,
que juntou 600 pessoas no Internato Nacional Barros Arana,
uma das escolas públicas mais
tradicionais de Santiago, tomado pelos alunos há nove dias.
Além do candidato humanista e de sindicalistas -acusados
pelo governo de tentar "instrumentalizar" os estudantes-,
também apareceram um ecologista, um cantor de música de
protestos e um cineasta.
Simpatizantes distribuíam
adesivos ilustrados com pingüins: "Revolução não-violenta". Um ambulante tentava emplacar, em vão, o bottom: "Votei nela, mas me arrependo".
"Eles nasceram na democracia e crêem que ela possa mudar as coisas. A gente, que viveu
a ditadura, se frustrou", diz a
professora Magali Lamatta, 55.
Apesar do frio, Carlos Garai,
15, na portaria da assembléia,
estava animadíssimo com a
ocupação: "É um camping. Não
vou para casa desde quarta". A
mãe o monitora pelo celular.
Há cigarro à vontade, e os estudantes fazem "caixinha" para
comprar comida -quando os
pais não mandam almoço. Os
rapazes da segurança aproveitam a função para tentar se
aproximar das militantes de
outros colégios. E depois de
cantar hinos mesclados com
palavrões, se juntaram na frente da TV para checar quem apareceu no noticiário.
Pinochet
Garai repete a razão da greve,
discutida na assembléia: "Tem
que acabar com a lei educacional do [ditador Augusto] Pinochet". A lei, aprovada em 1990,
municipalizou a escola pública,
permitindo, por exemplo que
cada colégio escolhesse seu
currículo. E promoveu os colégios subsidiados -particulares
que cobram baixas mensalidades e recebem verba por aluno
mantido pelo governo.
Hoje, mais de 40% dos 947
mil estudantes secundários do
país estão nesse tipo de escola,
segundo o Ministério da Fazenda. O problema, dizem os
estudantes, e admite o governo,
é que não há controle de como
esse dinheiro é gasto.
Mas por que só agora a mobilização? "Quando há troca de
poder, mesmo que dentro de
um partido, há um momento de
desajuste que tem de ser aproveitado para exigir mudanças",
diz Ruben Azaga, 16, que quer
estudar sociologia ou ciência
política -mas teme o vestibular. "Estudo num dos melhores
colégios públicos e ainda assim
tenho pouca chance."
Mas Azaga, que leva 1h30 de
casa até o colégio, aponta uma
questão mais concreta para a
mobilização: o medo de que a
digitalização do sistema de ônibus, prestes a vigorar, limite o
passe escolar a duas viagens. Na
TV, Bachelet prometeu que o
benefício valerá pelo dia todo.
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