São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2006

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Greve estudantil vira atração no Chile

Após conquistarem a simpatia do país e provocarem primeira crise sob Bachelet, estudantes promovem hoje paralisação nacional

Acampados em colégios para protestar contra custos e condições de educação, "pingüins" aproveitam para paquerar e aparecer na TV


FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO

Tarde de sábado. Um garoto de 15 anos, na porta de um dos 651 colégios ocupados por estudantes no Chile, pede a identificação de Tomas Hirsch, candidato do Partido Humanista a presidente na última eleição. Ele, como um punhado de sindicalistas e militantes, quer entrar na assembléia estudantil e dar seu apoio, diante das câmeras, ao movimento que se converteu na primeira crise do governo de Michelle Bachelet.
A cena resume a última semana: o país assiste, simpático e espantado, à "revolta dos pingüins", uma referência ao uniforme com gravata dos secundaristas. Eles cobram benefícios e mudanças na lei educacional e, apesar das medidas lançadas pelo governo quinta passada, mantiveram a convocação para uma greve nacional hoje, à qual aderiram professores, universitários e sindicatos de funcionários públicos.
Os estudantes já mostraram seu poder de mobilização ao levar estimados 600 mil às ruas de Santiago na última terça -a maior manifestação desde a volta da democracia ao país, em 1990. Houve confronto com a polícia, e 730 foram detidos. Hoje, prometem não fazer passeata: só atos nas escolas tomadas. Sindicalistas e partidos de esquerda, porém, já anunciaram que vão às ruas.
Para sair da berlinda, Bachelet aposta no que a imprensa local chama de "tom maternal", termo repetido com ironia pelos estudantes, no desgaste do movimento e em suas divisões.
Na última quinta, ela foi à TV anunciar que daria US$ 132 milhões anuais para cobrir parte das demandas. Ampliou a vigência do passe escolar e os subsídios para quem não pode pagar o vestibular, entre outras medidas. Convenceu as lideranças moderadas, mas não a ala radical, que ratificou a greve de hoje na reunião de sábado, acompanhada pela Folha.

Holofotes
Foi concorrida a assembléia, que juntou 600 pessoas no Internato Nacional Barros Arana, uma das escolas públicas mais tradicionais de Santiago, tomado pelos alunos há nove dias.
Além do candidato humanista e de sindicalistas -acusados pelo governo de tentar "instrumentalizar" os estudantes-, também apareceram um ecologista, um cantor de música de protestos e um cineasta.
Simpatizantes distribuíam adesivos ilustrados com pingüins: "Revolução não-violenta". Um ambulante tentava emplacar, em vão, o bottom: "Votei nela, mas me arrependo".
"Eles nasceram na democracia e crêem que ela possa mudar as coisas. A gente, que viveu a ditadura, se frustrou", diz a professora Magali Lamatta, 55.
Apesar do frio, Carlos Garai, 15, na portaria da assembléia, estava animadíssimo com a ocupação: "É um camping. Não vou para casa desde quarta". A mãe o monitora pelo celular.
Há cigarro à vontade, e os estudantes fazem "caixinha" para comprar comida -quando os pais não mandam almoço. Os rapazes da segurança aproveitam a função para tentar se aproximar das militantes de outros colégios. E depois de cantar hinos mesclados com palavrões, se juntaram na frente da TV para checar quem apareceu no noticiário.

Pinochet
Garai repete a razão da greve, discutida na assembléia: "Tem que acabar com a lei educacional do [ditador Augusto] Pinochet". A lei, aprovada em 1990, municipalizou a escola pública, permitindo, por exemplo que cada colégio escolhesse seu currículo. E promoveu os colégios subsidiados -particulares que cobram baixas mensalidades e recebem verba por aluno mantido pelo governo.
Hoje, mais de 40% dos 947 mil estudantes secundários do país estão nesse tipo de escola, segundo o Ministério da Fazenda. O problema, dizem os estudantes, e admite o governo, é que não há controle de como esse dinheiro é gasto.
Mas por que só agora a mobilização? "Quando há troca de poder, mesmo que dentro de um partido, há um momento de desajuste que tem de ser aproveitado para exigir mudanças", diz Ruben Azaga, 16, que quer estudar sociologia ou ciência política -mas teme o vestibular. "Estudo num dos melhores colégios públicos e ainda assim tenho pouca chance."
Mas Azaga, que leva 1h30 de casa até o colégio, aponta uma questão mais concreta para a mobilização: o medo de que a digitalização do sistema de ônibus, prestes a vigorar, limite o passe escolar a duas viagens. Na TV, Bachelet prometeu que o benefício valerá pelo dia todo.


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