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Obama mudou ótica dos EUA sobre raça
Para especialista em relações raciais, momento é o mais marcante desde movimento por direitos civis
ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO
Inicialmente se identificando como "um candidato que
por acaso é negro", Barack Obama bem que tentou, mas não foi
capaz de impedir que a temática racial emergisse na campanha -e voltasse ao centro do
debate agora. Mas, apesar dos
temores de que o preconceito
esmagasse suas chances, o que
se viu foi "um homem que, sozinho, mudou a forma como se
pensa em raça" nos EUA.
É o que afirmou à Folha William Wilson, professor da Universidade Harvard, negro e autor de "The Declining Significance of Race" (A importância
decrescente da raça, University
of Chicago Press, 1978). Leia a
entrevista que ele concedeu,
por telefone, de Harvard.
FOLHA - Os EUA estão prontos para
um presidente negro?
WILLIAM WILSON - Sim. Acho que
Obama vai vencer John
McCain em novembro.
Esse homem conseguiu sozinho mudar a forma como pensamos em raça neste país. Sua
campanha e candidatura só
perdem para o movimento pelos direitos civis como o mais
positivo e significativo acontecimento na história das relações raciais americanas desde
que estou vivo -obviamente
sem contar o fim da escravidão.
FOLHA - Houve uma mudança estrutural na sociedade que abrisse o
caminho para um negro?
WILSON - Não creio. Foi o tipo
de mensagem que ele enviou
-de inclusão, integração,
união- que ecoou fortemente
entre setores significativos da
população branca.
Agora, uma vitória seria incrivelmente simbólica. A resignação tem sido a resposta-padrão para discriminação e desrespeito persistentes que os negros enfrentam neste país. Isso
pode mudar com a eleição.
FOLHA - A ex-deputada Geraldine
Ferraro, pró-Hillary Clinton, sugeriu
que ele só ficou na frente por ser negro. A raça chegou a ajudar?
WILSON - Não. Foi uma pequena desvantagem, porque se tornou um tema significativo lá
pelo meio da campanha. Os comentários de Jeremiah Wright,
ex-pastor de Obama, sobre divisão racial nos EUA circularam muito. Mas ele foi capaz de
superar as divisões raciais com
sua mensagem. Foi um político
extremamente esperto, que fez
os americanos pensarem mais
sobre unidade do que sobre divisão. Se fosse branco, suas
chances seriam ainda melhores, devido a sua habilidade de
articular questões de uma maneira com a qual a maior parte
da população se identifica.
FOLHA - A imagem de "candidato
que por acaso é negro" é boa?
WILSON - Inicialmente, eu me
preocupei com o fato de ele ter
deixado a questão racial em segundo plano, o que poderia
alienar eleitores e líderes negros. Mas esse temor foi infundado, porque assim que a população negra se tocou que esse
homem tinha realmente uma
chance, deu a ele liberdade para
prosseguir como quisesse.
Me lembro de uma vez que
dei uma palestra na Universidade Notre Dame (em Indiana)
e um taxista negro me buscou
no aeroporto. Ele estava furioso com o reverendo e ativista
negro Jesse Jackson, que criticou Obama por não abordar
tanto a questão negra. Ele disse: "Qual o problema com Jackson? Como Obama pode vencer
se só falar aos negros? Deixe o
homem ser eleito, depois ele
trata disso". Fique impressionado com a sofisticação dos
eleitores negros, que sabiam
que Obama precisava ter apelo
com uma audiência maior.
FOLHA - Mas há temores de que ele
não consiga conquistar a classe operária branca...
WILSON - Antes das primárias
de Ohio e do Texas, em março,
ele estava conquistando esses
eleitores. Em Virgínia, em Wisconsin e outros, teve bons resultados entre a classe operária
branca. Aí vieram propaganda
ideológica e incidentes negativos. Foram várias mensagens
racialmente codificadas, e Obama perdeu seu "momentum".
Mas acho que com mais tempo
para oferecer sua mensagem,
poderá sanar isso. Não é que ele
seja incapaz de conquistá-los, é
que teve de superar mensagens
negativas em vez de apresentar
propostas.
FOLHA - O lingüista e ativista político progressista Noam Chomsky disse que os republicanos vão acabar
com Obama com tais mensagens...
WILSON - É verdade que os republicanos colocarão sua máquina de propaganda negativa
contra ele, mas uma das vantagens da disputa que teve com
Hillary Clinton nas primárias é
que muitos dos pontos negativos já foram usados. O discurso
de Obama em resposta à controvérsia sobre Wright, por
exemplo, foi um momento definidor. Foi um dos mais importantes discursos sobre raça da
história americana. Os republicanos tentarão, mas não conseguirão reavivar com a mesma
força debates como esse.
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