São Paulo, sexta, 5 de setembro de 1997.



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Lógica do terror inviabiliza a paz

do Conselho Editorial

Sempre que há uma perspectiva, ainda que tênue, de um avanço, mesmo tímido, no estancado processo de paz, terroristas suicidas explodem a si próprios, a outras pessoas e às perspectivas.
O atentado anterior (ao mercado Mahane Yehuda, em 30 de julho) ocorreu no dia mesmo em que deveria viajar para Israel Dennis Ross, enviado especial do presidente Bill Clinton para a região.
Ross tentaria tirar do pântano um processo de paz que ficara paralisado desde que atentados terroristas minaram, no início de 96, o governo trabalhista, responsável pela obtenção de acordos interinos de paz com os palestinos.
O novo atentado acontece a quatro dias da viagem a Israel da própria secretária norte-americana de Estado, Madeleine Albright, que faria a sua primeira visita à região desde que assumiu.
Albright, nas suas próprias palavras, gostaria de "reenergizar" o processo de paz.
Como funciona a lógica do terrorismo? Basta seguir o raciocínio de Saeb Erekat, principal negociador palestino.
Ponto 1 - "O nível de confiança entre nós e o primeiro-ministro (Binyamin) Netanyahu está abaixo de zero."
Ponto 2 - "Precisamos de uma terceira parte (para tirar do solo o nível de confiança)."
A "terceira parte" seria Albright, que, aliás, havia condicionado sua primeira incursão ao Oriente Médio ao restabelecimento de um padrão mínimo de segurança. O atentado de ontem demonstra que as partes não conseguiram tal objetivo.
A verdade de cada um
Mas a lógica do terror contribui de outra forma para minar ainda mais a confiança mútua entre palestinos e israelenses.
Permite que cada lado diga que tem razão em seus argumentos.
Netanyahu poderá repetir o que já havia dito na semana passada: que o líder palestino, Iasser Arafat, deu o "beijo da morte" no processo de paz, ao se abraçar com Abdul Aziz Rantisi, o líder do Hamas.
Foi na segunda-feira da semana passada, durante encontro pela "unidade palestina", convocado por Arafat.
Afinal, o Hamas assumiu, como sempre o faz, o atentado de ontem.
É inevitável que uma parcela importante da opinião pública israelense veja Arafat de novo como o "terrorista", e não como o prêmio Nobel da Paz, que compartilhou com Yitzhak Rabin, o assassinado premiê israelense.
Mas os palestinos podem dizer que o que chamam de "punição coletiva" que Israel lhes está impondo, desde o atentado ao mercado, não funciona como arma antiterrorismo.
O bloqueio dos territórios palestinos, a retenção de fundos que pertencem à Autoridade Nacional Palestina e são apenas coletados por Israel, a onda de prisões feitas nos territórios, após o atentado anterior -nada disso impediu um novo atentado.
Incontrolável
Mas a mensagem mais sinistra emitida pela explosão de ontem é essa: esse tipo de terrorismo, em que os autores matam e morrem no mesmo ato, é incontrolável.
Afinal, passado o primeiro momento de furor após o ataque ao mercado, Israel e os palestinos reiniciaram a cooperação em matéria de segurança.
Com um adendo: participa também a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA).
Ou seja, dois dos serviços de inteligência mais poderosos e eficazes do planeta (o israelense e o norte-americano) não conseguiram, mesmo contando com cooperação palestina, nem identificar os autores do atentado anterior nem impedir o novo ataque.
A conclusão é inescapável: se e quando Israel e os palestinos colarem os cacos da confiança recíproca, nada impede que outros fanáticos rompam tudo outra vez, à força de uma ou várias bombas.
É a vitória da lógica do terror. (CR)


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