São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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TERROR NA RÚSSIA

Redes controladas pelo Estado exibem só flashes do massacre, entre filmes e seriados

TVs russas "escondem" desfecho do seqüestro

Viktor Drachev/France Presse
Familiares de desaparecidos buscam notícias no necrotério local


ERIN E. ARVEDLUND
DO "NEW YORK TIMES"

Durante uma das mais fatais crises de seqüestro na Rússia, que espalhou medo pelo país e foi notícia pelo mundo todo, três das maiores redes de televisão russas hesitaram, depois cobriram de forma errática, e então desistiram da transmissão.
Mesmo quando o pandemônio se instaurou em Beslan, as redes controladas ou de propriedade do Estado evitaram as imagens mais sangrentas do assalto que deixou mais de 320 mortos, muitos deles crianças. As duas maiores redes, de maior audiência no país, o Canal 1 e a Rossiya, mostraram flashes ao longo do dia, mas continuaram com sua programação regular durante a tarde.
O programa de notícias da NTV estava no ar quando a luta irrompeu, e ficou claro que a crise tinha atingido seu clímax dramático. Um de seus correspondentes, Ruslan Gusarov, estava no ar quando as explosões e os tiros começaram, mas a rede rapidamente cortou a cena e continuou com quase 20 minutos de notícias internacionais, incluindo uma seqüência sobre a convenção republicana para as eleições presidenciais americanas, em Nova York.
"Eu acho que a atmosfera geral aqui é: "Quanto menos notícia você tiver, melhor'", disse Savik Schuster, o apresentador do talk-show de política da NTV, "Svoboda Slova", ou "Discurso Livre", que foi cancelado em julho. "E acho que é um erro."
Desde que foi eleito, o presidente Vladimir V. Putin tem exercido cada vez mais poder sobre a televisão russa, orquestrando o afastamento de oponentes políticos que as controlavam e aumentando as restrições sobre as transmissões das principais redes. Críticos têm reclamado há bastante tempo que o controle exercido pelo Kremlin limita o que os russos vêem e ouvem, e isso ficou eminente anteontem. Putin foi ferozmente crítico à cobertura realizada na última crise de seqüestro, a do teatro em Moscou, em 2002.
O presidente russo não fez um pronunciamento anteontem, e, sem as suas palavras, que normalmente têm destaque em toda a programação, a cobertura dos canais controlados pelo Estado pareceu ter perdido sua direção. Ontem, o discurso de Putin sobre o desfecho do seqüestro foi transmitido na íntegra pelas TVs russas, estatais e privadas.

Vida de taxista
Às 15h30, com o campo de batalha em chamas e os corpos ensangüentados das crianças que emergiam, as transmissões do Canal 1 e da Rossiya viraram as costas ao local do seqüestro e voltaram a passar sua programação regular, com filmes e dramas no período da tarde como "Taxista", um seriado sobre motoristas de táxi.
Para aqueles com acesso a sistemas de TV a cabo ou por satélite, as únicas fontes de notícias reais -e cruas- foram a CNN e a BBC, que continuaram transmitindo ao vivo as chocantes cenas do alto de um telhado de um prédio nas imediações.
Apenas tarde da noite da sexta as redes de TV mostraram um pouco mais das imagens mais trágicas -a inundação de corpos no necrotério de Beslan, pais percorrendo o local em busca de suas crianças, quadro após quadro, balançando-se em desespero -que o mundo todo já tinha visto horas antes.

Com agências internacionais


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