São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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ARTIGO

Muito pouco e muito tarde para Darfur

JAKOB KELLENBERGER

Há duas realidades muito duras sobre o conflito em Darfur, oeste do Sudão: primeiro, tem havido violações maciças do direito internacional humanitário, em particular ataques contra civis. Segundo, a ajuda que chega é insuficiente e vem tarde demais, apesar do impacto positivo para centenas de milhares de pessoas.
Essas duas realidades devem ser encaradas com urgência pelo governo do Sudão, pelos grupos armados de oposição, pela comunidade internacional e pelos atores humanitários. Por sua vez, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem o objetivo de alcançar a melhor proteção possível para a população civil do Darfur insistindo no respeito total que todas as partes do conflito devem ter diante das regras do direito internacional humanitário.
O CICV, em cooperação com o Crescente Vermelho Sudanês e outras sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, tem constantemente aumentado a resposta à crise, inclusive em áreas remotas, usando particularmente nesses casos sua habilidade em cruzar linhas de conflito e viajar a todas as partes de Darfur. O foco das operações de assistência está na ajuda humanitária a mais de 300 mil pessoas deslocadas e no socorro médico às vítimas.
Tudo isso faz, realmente, diferença para as pessoas de Darfur, mas não é suficiente. É necessária ação política para romper o ciclo de violência e deslocamentos populacionais. As autoridades sudanesas, os grupos armados de oposição, a ONU e as organizações regionais devem decidir que tipo de ação política deve ser tomada.
Há seis meses, as autoridades do Sudão se negaram a reconhecer o que acontecia em Darfur. Segundo Cartum, tratava-se de um enorme e invisível "conflito tribal" voltado contra os esforços de paz que se empenhavam em resolver o histórico enfrentamento entre o norte e o sul do país. Na ocasião, foi dito que as necessidades humanitárias eram exageros de propaganda externa. Agora, tudo isso mudou. Darfur concentra os maiores esforços do CICV em todo o mundo.
O impacto da guerra sobre a população civil tem sido devastador. É impossível dizer exatamente quantas pessoas já morreram. Estatísticas sobre quantos foram forçados a deixar suas casas também são irreais, mas deve haver, provavelmente, mais de um milhão. Falar em destruição de meios de sobrevivência significa dizer que estas pessoas continuarão a depender de ajuda externa para sobreviver. Para os que deixaram suas casas, ou mesmo para os que continuam em seus vilarejos, as condições de saúde e saneamento são muito pobres e acabam por cobrar seu preço humano todos os dias.
Esta guerra, pela forma temerária como é conduzida, tem causado um sofrimento enorme. As pessoas estão acostumadas a sobreviver em condições difíceis no Darfur, mas a natureza excessivamente violenta deste conflito deixou muitos em condições realmente miseráveis, submetidos a humilhações, doenças e morte.
As regras mais básicas da guerra foram violadas. Pouca distinção tem sido feita entre civis e combatentes. Os combates têm afetado particularmente os grupos mais vulneráveis, como mulheres, crianças, idosos e doentes. O estupro é generalizado.
Essas violações devem parar. A primeira responsabilidade recai sobre o governo sudanês, que tem a clara obrigação de proteger seu próprio povo e, mesmo assim, tem falhado ou tem sido incapaz de fazê-lo.
Por outro lado, a comunidade internacional tem a obrigação de assegurar o respeito pelo direito humanitário em todas as circunstâncias. Os governos devem saber que a ação humanitária não é substituta da ação política para proteger a população civil.


Jakob Kellenberger é presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha


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