São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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AMÉRICA LATINA

Relatório sobre o violento conflito interno não gera medidas

Toledo ignora conclusões sobre "guerra suja" peruana

FRANCESC RELEA
DO "EL PAÍS", EM BUENOS AIRES

Justiça, ressarcimento e punição, solicitava o relatório final da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) peruana, apresentado em 28 de agosto de 2003, para as graves violações dos direitos humanos cometidas durante a guerra interna que ensangüentou o país durante duas décadas (1980-2000). Um ano se passou, e pouco ou nada foi feito pelas instituições do Estado quanto às três solicitações.
É isso que afirmam os representantes da Procuradoria de Defesa Pública e de organizações humanitárias. "Nenhuma das recomendações da Comissão da Verdade foi incorporada ao Orçamento do Estado. O pouco que foi feito até agora é completamente insuficiente", afirma Cecilia Blondet, investigadora do Instituto de Estudos Peruanos e ex-ministra da Mulher no governo de Alejandro Toledo.
Blondet participou há alguns dias de um seminário sobre a adoção das medidas recomendadas pela CVR em programas regionais, realizado em Ayacucho, e comprovou a desconfiança e o ressentimento em numerosos setores daquele Departamento andino, uma das zonas de maior violência política no confronto entre os rebeldes do Sendero Luminoso, grupo terrorista maoísta, e o Exército peruano.
A ex-ministra enfatiza que a difusão do relatório da Comissão da Verdade foi "insuficiente e mal conduzida", e por isso muitos o desconhecem completamente.
Além disso, os avanços nas três grandes linhas de trabalho propostas pela CVR -reparações às vítimas, fortalecimento das instituições nas zonas mais castigadas pela guerra e melhora da educação- foram praticamente nulos. "Não se trata apenas de reparações econômicas; é preciso, além disso, gestos simbólicos de atenção a imensos grupos de excluídos. É preciso recordar que 75% das vítimas estão em Ayacucho", afirma Blondet.

69 mil mortos
Em 15 de novembro de 2003, chegaram à Procuradoria de Defesa Pública da cidade de Lima 567 caixas repletas de papéis, livros e revistas. Era a documentação completa compilada durante 20 meses pela Comissão da Verdade sobre as violações de direitos humanos. Estima-se que o número de mortos e desaparecidos durante a guerra interna ultrapasse 69 mil pessoas, número muito superior ao das perdas humanas na guerra de independência e na guerra contra o Chile, os dois maiores conflitos em que o Peru se viu envolvido.
Algumas das conclusões da CVR são controversas, como a que atribui ao Sendero Luminoso a responsabilidade por mais mortes (54%) do que o total de 37% atribuído aos agentes do Estado.
O relatório demonstra que o número de vítimas de ambas as partes é praticamente o mesmo. No entanto, se forem levadas em conta as torturas, as violações sexuais e os desaparecidos, as Forças Armadas são responsáveis por mais atrocidades.
O governo criou no ano passado uma comissão de alto nível para acompanhar a implementação das medidas recomendadas pela CVR -mas ela se limita a receber pessoas para ouvir palestras e pouco mais faz. A paralisia do Estado contrasta com as iniciativas de diversas organizações da sociedade civil. "É a energia de uma sociedade mobilizada que desafia o Estado a cumprir o seu dever", afirma Susana Villarán, educadora do Instituto de Defesa Legal.


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