São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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ÁSIA

Pequenos agrupamentos rurais sem representação política no Legislativo tomam decisões em comitês eleitos internamente

Vilas são experiência de autogestão chinesa

CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A TIANJIN

No dia 12 de julho, 17 representantes dos moradores de uma vila rural do leste da China se reuniram com os três integrantes do comitê executivo local para decidir o que fazer com seis máquinas agrícolas velhas e improdutivas. Por maioria de votos, decidiram vendê-las e comprar duas novas, pelo equivalente a US$ 9.700.
Esse tipo de discussão faz parte do cotidiano de comitês espalhados nas 700 mil vilas rurais da China, onde vivem quase 800 milhões de pessoas, ou 60% da população total. Na terra do partido único e da ditadura do proletariado, todos os seus integrantes são eleitos pelos moradores locais para mandatos de três anos, na mais ampla experiência de democracia de base e autogestão do país.
As eleições diretas começaram a ser realizadas no início dos anos 80, quando se desmantelou a estrutura de comunas agrícolas criada durante a Revolução Cultural (1966-1976) e começou o processo de abertura econômica desenhado por Deng Xiaoping.
Pequenos agrupamentos com até 2.000 pessoas, essas vilas não têm representantes dos governos municipal, provincial ou nacional e mergulharam em um vácuo administrativo. Grupos de camponeses passaram a buscar alternativas, e as primeiras experiências de autogestão e eleições foram realizadas na Província de Guangxi, no sul da China.
Com bons resultados, o modelo aos poucos foi se espalhando. Em 1988, o procedimento foi regulamentado por uma lei provisória e, a partir de 1998, passou a ser obrigatório para todas as 700 mil vilas.

Orçamento de US$ 36 mil
Os comitês costumam ter até sete pessoas e têm a função de gerir os principais assuntos econômicos e administrativos da vila, incluindo a implementação da política de controle de natalidade.
A vila que decidiu trocar as seis máquinas velhas por duas novas é chamada de Chaguan e fica na cidade de Tianjin, a leste de Pequim. Com 391 famílias, conta com um orçamento anual equivalente a US$ 36,2 mil.
Os 17 representantes da vila funcionam como um Legislativo, mas sua eleição não significa delegação de poderes, e a escolha de cada um obedece a uma lógica geográfica. Sempre que há uma decisão importante, eles se reúnem com as famílias que os elegeram para definir sua posição.
"Antes da reunião com os representantes, o comitê da vila publica um aviso para dizer o que será discutido e eles levam esses temas para as famílias", ressalta Chen Xueqiang, secretária-geral do Partido Comunista na vila.
O quadro de avisos, fixado na parede exterior de uma das casas da vila, é o principal canal entre os eleitos e os moradores e também o principal instrumento de fiscalização de seu trabalho. A cada três meses, ele traz o balanço do orçamento, com relação de receitas e gastos e qualquer decisão relevante tem de ser afixada lá.
A receita das vilas costuma vir do aluguel de terras para fábricas ou empreendimentos comerciais.
A vila aprovou em julho a proposta de reforma dos banheiros das 540 famílias do local. As famílias também aprovaram a contratação de seguro de vida para os moradores e o uso dos recursos comunitários para a instalação de canos de água e esgoto no local.
Como não há propriedade privada da terra, as vilas decidem a forma de divisão das áreas de cultivo entre as famílias, que depois podem vender a produção individualmente.


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