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Africanos bebem água do mar para sobreviver
DA REPORTAGEM LOCAL
O espanhol Juan Antonio
Corujo, 41, é voluntário há 27
anos da Cruz Vermelha nas
Ilhas Canárias. Começou adolescente na instituição. Há dez
ele dirige as equipes responsáveis pela acolhida imediata aos
imigrantes que chegam de barco ao arquipélago. "Estou vivendo a experiência mais intensa nestes 27 anos, com tantos naufrágios. Fico ligado 24
horas", diz.
Para ele, a situação dos imigrantes piorou porque muitos
dos imigrantes nunca navegaram, ficam à deriva e precisam
beber até água de mar para sobreviver à travessia entre o Senegal e as ilhas. Leia os principais trechos da entrevista que
ele deu à Folha, por telefone,
de Las Palmas.
(RJL)
A TRAVESSIA
Muitos ficam sem combustível. São marinheiros de primeira viagem. Compram o barco de
algum pescador senegalês, colocam motores e se aventuram
sem ter idéia do que é o mar. Já
resgatamos vários que estavam
havia 18 dias à deriva. Sobrevivem bebendo água do mar, perdem muitos quilos.
Os barcos têm capacidade
para até 150 pessoas, superlotados, claro. Alguns têm 30 metros de largura, são construídos
para pesca em alto-mar.
PERFIL
A maioria deles tem entre 20
e 28 anos, são homens fortes e
muito saudáveis. Muitos não
são analfabetos, pelo contrário,
têm ensino médio ou até são
universitários. Só que têm pouca expectativa de trabalho em
seus países, levam uma vida
muito precária e sabem que, se
continuarem em sua terra, podem não superar os 50 anos de
idade, que é a expectativa de vida no Mali ou no Senegal.
MENORES DE IDADE
Há muitos menores desacompanhados, que são estimulados pelas famílias a imigrar e
tentar uma vida melhor. Assim
que conseguirem um emprego,
podem ajudar a família na África, mandando dinheiro.
A legislação espanhola é protetora com os menores, eles
têm os mesmos direitos que um
cidadão espanhol, não podem
ser repatriados. Ficam em centros de menores tutelados pelo
governo das Canárias ou de outras regiões da Espanha.
A CHEGADA
Meu trabalho é oferecer a
primeira ajuda no porto ou na
praia, assim que chegam. Dar
roupa seca, dar água.
Os adultos vão direto para a
delegacia, passam em torno de
três dias para identificação,
abertura de processo. Podem
ficar até 40 dias em um centro
de atenção do governo canário.
Quem tem familiares, amigos
no país, consegue regularizar a
situação, de acordo com a lei de
estrangeiros espanhola. O governo paga a viagem aérea até o
local onde está a família, seja
em Valência ou Madri.
Mas a maioria é repatriada. O
governo coloca em um avião e
manda para o país de origem. E
muitos só pensam na próxima
travessia rumo à Europa.
LEI ESPANHOLA
A lei espanhola não é permissiva, não é responsável pela
vinda. Uma lei mais dura não
vai evitar que eles continuem a
tentar uma vida melhor.
Não queremos soluções fáceis, como um muro ou uma redoma. Não é humano mandá-los de volta, não deixá-los desembarcar. Seria condená-los à
morte. A União Européia e a comunidade internacional têm
que dar outro tipo de resposta.
As Canárias são a porta de entrada para a União Européia.
Eles continuarão a vir.
VIDA NA ÁFRICA
A vida no continente africano é a grande responsável pelo
êxodo. A curto prazo, temos
que dar atenção humanitária.
Mas, a médio e longo prazos, os
países africanos têm que se desenvolver.
Os europeus já precisaram
imigrar para as Américas, sabemos do que falamos. Enquanto
houver pobreza em massa, isso
vai continuar acontecendo.
Temos que repensar a cooperação internacional e os investimentos na África. Não dá para
resolver com esmola.
TURISTAS RESGATAM
Vi várias vezes turistas e locais que tomavam sol na praia
correrem em direção aos barcos apinhados de africanos. É
emocionante. As pessoas levam
suas toalhas e seus lanches para
dar aos imigrantes.
Até agora não houve nenhum
ataque xenófobo, mas as pessoas andam assustadas com as
quantidades que estão chegando; sabemos que as Canárias
não podem comportar milhões
de africanos pobres.
Mas posso falar que nossa relação é boa. Sempre vimos negros, temos grande influência
africana nas ilhas, não é algo
alheio como em outras partes
da Europa. O povo canário viveu muita fome nas três décadas seguintes à Guerra Civil Espanhola. Imigramos para as
Américas, então não é difícil
colocar-se na pele deles.
(RJL)
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