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Angola vota pela primeira vez após fim da guerra civil
País renova Assembléia Nacional eleita em 1992, quando pleito deu início a novo conflito
MPLA, no poder desde a independência, em 1975, deve sair vencedor, mas o tamanho da margem sobre a opositora Unita é incerto
JOÃO FELLET
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LUANDA
Com as ruas entupidas de
carros e longas filas nos supermercados e postos de gasolina,
Luanda ontem pareceria São
Paulo em véspera de feriado
prolongado. Um dia antes das
primeiras eleições desde o fim
da guerra civil em Angola, em
2002, todos na capital do país
corriam para encher as prateleiras e garantir suprimentos
básicos para os próximos dias.
A memória dos angolanos está fresca: nas primeiras (e últimas) eleições da história do
país, em 1992, o grupo opositor
Unita (União Nacional para a
Independência Total de Angola) contestou o resultado, que
mostrava à frente o MPLA
(Movimento Popular para a Libertação de Angola), no poder
desde que a nação se tornou independente de Portugal, em
1975. Com isso, a guerra entre
os dois grupos, que se arrastava
desde a saída dos portugueses,
foi retomada e durou até 2002.
Hoje os angolanos voltarão
às urnas para renovar sua Assembléia Nacional, o que não
ocorre desde 1992.
Cautelosas, as repartições
públicas e muitas empresas
privadas têm se recusado a dar
entrevistas nos últimos dias e
suspenderam as atividades
desde quarta-feira. E para mostrar que a repressão, em caso de
distúrbios, seria fulminante, o
governo espalhou por Luanda,
já na semana passada, soldados
e tropas especiais da polícia.
Sem cheiro de guerra
A julgar pela tranqüilidade
com que a campanha eleitoral
tem transcorrido, tudo parece
indicar mais precaução do que
receio. Em conversas, os angolanos mostram-se confiantes
de que as eleições não terão o
mesmo desfecho do último
pleito. "A guerra cheira. E hoje
não há cheiro nenhum no ar",
diz o motorista Manuel Fernandes, 47 -ele próprio um veterano da guerra civil.
Há um mês, as ruas de Luanda foram tomadas por bandeiras e militantes do MPLA. Já as
manifestações pró-Unita fizeram-se mais presentes nas últimas semanas, quando era possível encontrar na cidade aglomerações dos dois partidos lado a lado, cada militante com
uma lata de cerveja na mão.
A ONG Human Rights Watch
diz que Angola será incapaz de
realizar um pleito democrático.
Mas mesmo a Unita admite
que, salvo um ou outro distúrbio no interior, tem conseguido
fazer campanha livremente.
A convivência pacífica entre
os 14 partidos na disputa tem
sido pregada pelo presidente
José Eduardo dos Santos, 66
anos, 29 deles no poder. Ainda
que não esteja concorrendo,
trata-se da principal figura da
campanha -pôsteres com a sua
foto estão em toda a capital.
Acusado pela oposição de ser,
ao mesmo tempo, "árbitro e jogador" das eleições, Santos tem
ocupado, nas últimas semanas,
ainda mais espaço do que o costumeiro na imprensa oficial
-só há um jornal diário e uma
emissora de TV em Angola, ambos estatais. Caso o partido ganhe a maioria dos assentos, como se prevê, as eleições presidenciais marcadas para o ano
que vem devem acontecer.
Santos provavelmente será
candidato outra vez -um de
seus assessores mais próximos
disse à Folha que o presidente
gostaria de encerrar a sua carreira política com um mandato
conquistado nas urnas.
O MPLA está dividido quanto às expectativas. Uns desejam
uma vitória acachapante; outros temem que isso trave o
avanço de Angola rumo a um
regime mais democrático e menos centrado no presidente.
Como principal bandeira, o
MPLA conta com as taxas de
crescimento dos últimos anos,
na casa dos 20%. Maior produtor de petróleo da África Subsaariana, com 1,9 milhão de
barris diários, o país tem investido na reconstrução da infra-estrutura, abalada pela guerra.
Mas o desenvolvimento não
chegou a todos, e há grande insatisfação nas camadas mais
pobres. Por isso, há quem acredite que a Unita possa surpreender. Seja qual for o resultado, todos os angolanos rejeitam a hipótese de o país voltar
aos tempos dos canhões. "Angola, mais do que qualquer
país, sabe os males da guerra",
diz o estudante de direito João
Eduardo Tchinhama, 30.
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