São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2008

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Angola vota pela primeira vez após fim da guerra civil

País renova Assembléia Nacional eleita em 1992, quando pleito deu início a novo conflito

MPLA, no poder desde a independência, em 1975, deve sair vencedor, mas o tamanho da margem sobre a opositora Unita é incerto

JOÃO FELLET
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LUANDA

Com as ruas entupidas de carros e longas filas nos supermercados e postos de gasolina, Luanda ontem pareceria São Paulo em véspera de feriado prolongado. Um dia antes das primeiras eleições desde o fim da guerra civil em Angola, em 2002, todos na capital do país corriam para encher as prateleiras e garantir suprimentos básicos para os próximos dias.
A memória dos angolanos está fresca: nas primeiras (e últimas) eleições da história do país, em 1992, o grupo opositor Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola) contestou o resultado, que mostrava à frente o MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), no poder desde que a nação se tornou independente de Portugal, em 1975. Com isso, a guerra entre os dois grupos, que se arrastava desde a saída dos portugueses, foi retomada e durou até 2002.
Hoje os angolanos voltarão às urnas para renovar sua Assembléia Nacional, o que não ocorre desde 1992.
Cautelosas, as repartições públicas e muitas empresas privadas têm se recusado a dar entrevistas nos últimos dias e suspenderam as atividades desde quarta-feira. E para mostrar que a repressão, em caso de distúrbios, seria fulminante, o governo espalhou por Luanda, já na semana passada, soldados e tropas especiais da polícia.

Sem cheiro de guerra
A julgar pela tranqüilidade com que a campanha eleitoral tem transcorrido, tudo parece indicar mais precaução do que receio. Em conversas, os angolanos mostram-se confiantes de que as eleições não terão o mesmo desfecho do último pleito. "A guerra cheira. E hoje não há cheiro nenhum no ar", diz o motorista Manuel Fernandes, 47 -ele próprio um veterano da guerra civil.
Há um mês, as ruas de Luanda foram tomadas por bandeiras e militantes do MPLA. Já as manifestações pró-Unita fizeram-se mais presentes nas últimas semanas, quando era possível encontrar na cidade aglomerações dos dois partidos lado a lado, cada militante com uma lata de cerveja na mão.
A ONG Human Rights Watch diz que Angola será incapaz de realizar um pleito democrático. Mas mesmo a Unita admite que, salvo um ou outro distúrbio no interior, tem conseguido fazer campanha livremente.
A convivência pacífica entre os 14 partidos na disputa tem sido pregada pelo presidente José Eduardo dos Santos, 66 anos, 29 deles no poder. Ainda que não esteja concorrendo, trata-se da principal figura da campanha -pôsteres com a sua foto estão em toda a capital.
Acusado pela oposição de ser, ao mesmo tempo, "árbitro e jogador" das eleições, Santos tem ocupado, nas últimas semanas, ainda mais espaço do que o costumeiro na imprensa oficial -só há um jornal diário e uma emissora de TV em Angola, ambos estatais. Caso o partido ganhe a maioria dos assentos, como se prevê, as eleições presidenciais marcadas para o ano que vem devem acontecer.
Santos provavelmente será candidato outra vez -um de seus assessores mais próximos disse à Folha que o presidente gostaria de encerrar a sua carreira política com um mandato conquistado nas urnas.
O MPLA está dividido quanto às expectativas. Uns desejam uma vitória acachapante; outros temem que isso trave o avanço de Angola rumo a um regime mais democrático e menos centrado no presidente.
Como principal bandeira, o MPLA conta com as taxas de crescimento dos últimos anos, na casa dos 20%. Maior produtor de petróleo da África Subsaariana, com 1,9 milhão de barris diários, o país tem investido na reconstrução da infra-estrutura, abalada pela guerra.
Mas o desenvolvimento não chegou a todos, e há grande insatisfação nas camadas mais pobres. Por isso, há quem acredite que a Unita possa surpreender. Seja qual for o resultado, todos os angolanos rejeitam a hipótese de o país voltar aos tempos dos canhões. "Angola, mais do que qualquer país, sabe os males da guerra", diz o estudante de direito João Eduardo Tchinhama, 30.


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