São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
SABATINA FOLHA INGRID BETANCOURT Não há negociação, a saída para a questão das Farc é militar
EX-SENADORA COLOMBIANA EMOCIONA PLATEIA AO RELEMBRAR OS MAIS DE SEIS ANOS QUE PASSOU COMO REFÉM DAS FARC NA SELVA AMAZÔNICA E AFIRMA SENTIR GRATIDÃO POR HUGO CHÁVEZ
A colombiana Ingrid Betancourt, 48,
que foi refém das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia) por mais
de seis anos, não vê solução para a
guerrilha que não seja a militar.
Solução militar A solução militar é a única saída [para enfrentar as Farc]. Não há espaço para negociação [com a guerrilha]. E, quando houve, com [Andrés] Pastrana [ex-presidente da Colômbia (1998-2002)], realmente foi um engano. Terminou impulsionando uma pessoa como Álvaro Uribe para a Presidência. Guerrilha e narcotráfico São muito rígidos para que os guerrilheiros não consumam drogas. Mas a maioria é de raspatines, camponeses que se dedicam a plantar coca. Tive aulas de como fazer pasta de coca porque eu estava curiosa para saber qual é o procedimento. Eles cortam a folha de coca, misturam com gasolina, separam um líquido que fica no fundo de outro e misturam com manganato. Coca Todo mundo sabe que as Farc são produtoras de coca. Eles fazem todo o processo, da plantação à exportação. Muitas exportações são pela selva, pelo Brasil, pela Venezuela e por países limítrofes. Hugo Chávez Há pessoas a quem sou grata. Não se trata de uma posição ideológica. [O presidente da Venezuela, Hugo] Chávez foi fundamental na libertação de todos nós. No momento em que Chávez expressa que está disposto a mediar a libertação dos sequestrados, a pressão mundial pela nossa libertação começa a ficar forte. Creio que Uribe disse "sim" a Chávez pensando que ele nunca conseguiria nos liberar. Mas Chávez não fracassou. Operação de resgate A primeira informação que o Exército consegue é a região onde estamos, como estavam formados os grupos e quem era o guerrilheiro que nos mantinha [reféns]. Depois, conseguem [invadir] o computador de Raúl Reyes e dados sobre a frequência de comunicação da guerrilha. Isso permite interferir na comunicação entre o comandante Enrique e seu chefe, Mono Jojoy. A primeira ordem a Enrique foi: mova os sequestrados a tal coordenada. Depois, disseram que enviariam uma comissão humanitária que chegaria em um helicóptero, no qual todos deveríamos subir -os sequestrados e os dois chefes [guerrilheiros]. Quando baixa o helicóptero, a primeira pergunta de meus companheiros é: "São europeus?". Porque eles falavam como guerrilheiros, usavam camisas de Che Guevara... E realmente não eram. A partir daí, começa a angústia dos sequestrados. Começamos a pensar que eram das Farc. Então, nós não queríamos subir no helicóptero. Começamos a fazer resistência. Queriam nos embarcar em cinco minutos e já levava meia hora. Isso, de alguma maneira, tranquiliza os guerrilheiros. Usam rifles, nos amarram. E, finalmente, subimos no helicóptero. Sobem os dois comandantes. Fecha-se a porta. O helicóptero toma altitude e começam a dar socos. Em dois segundos, eles deixam [os chefes guerrilheiros] inconscientes, os amarram. Não gostei do que estava vendo porque não entendia o que estava acontecendo. O chefe desse grupo, que tinha um chapéu branco, coloca o chapéu de lado e diz: "Somos o Exército da Colômbia. Estão livres". Falo quase todos os dias desse momento e, cada vez que falo, volta a emoção. Foi impressionante. Críticas Obviamente não fui perfeita. Independentemente de tudo, meus companheiros são, para mim, família. É como em família: há pessoas com as quais você se entende bem e outras com as quais você tem problemas. Espero que um dia eles possam me perdoar como os perdoei. Retorno à política Estive quatro vezes na Colômbia desde minha libertação e apenas por algumas horas por razões de segurança. Sinto grande alívio de saber que muita gente não me quer por lá, que não me pedirão atuação política. Passar do tempo Eu me guiava por datas afetivas. Eram parâmetro para que eu soubesse o período do ano. No primeiro aniversário do meu filho, pedi que fizessem um bolo, para ter a impressão de que estava comemorando. As pessoas celebraram, dançaram. Foi um parêntesis em que pude ver esses jovens como jovens. Indenização Minha tentativa [de obter indenização do Estado como vítima do terrorismo] foi vista como ingratidão, quando era algo previsto na lei. Mas foi tomado como um ataque aos soldados que me salvaram. Quando tentei explicar, me confrontei com uma matilha de lobos, uma imprensa que não me deixava falar. Toda a sociedade me criticou. Creio que nem [o traficante] Pablo Escobar foi tão mal tratado na Colômbia. Uribe x Santos O atual presidente, Juan Manuel Santos, é um democrata. O presidente anterior, Álvaro Uribe, era um homem de convicções. Ele foi necessário, posto que, antes dele, a Colômbia estava desmoronando em insegurança. Uribe fez com que o Exército voltasse a ter confiança em si. Ser mulher na selva Só vi uma mulher no comando: Sônia, que se encarregava do hospital das Farc. A raiz sociológica do movimento vem do ambiente rural colombiano, que tem ojeriza a comportamentos femininos. Durante o dia, as mulheres eram colocadas em posição de igualdade -cortavam lenha, carregavam armas, abriam trincheiras. À noite, essa igualdade desaparecia, pois elas eram solicitadas a fazer companhia aos companheiros. E se elas se recusam por mais de duas vezes, arma-se uma discussão no acampamento. O comandante diz que elas precisam ter solidariedade revolucionária. Dignidade Eu tinha que colocar um short e uma camiseta para tomar banho. Eles tinham um odor podre, mas eram a minha única opção. Veja a sabatina de Ingrid Betancourt na Folha folha.com.br/mm825663 Texto Anterior: Foco: Espanhóis podem mudar regras de registro dos filhos Próximo Texto: Frases Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |