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MÍDIA EM TRANSFORMAÇÃO
Criticada internacionalmente, medida é resposta do presidente venezuelano a apoio da imprensa à tentativa de golpe de 2002
Lei de Chávez vai "regular" rádios e TVs
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
Sob o argumento oficial de que é
necessária uma melhora na qualidade da programação das rádios e
TVs da Venezuela, o presidente
Hugo Chávez está prestes a sancionar uma lei que impõe controles rígidos e pesadas sanções a esses setores da mídia.
A chamada "Lei de Responsabilidade Social para Rádio e TV" já
ganhou críticas dos principais
grupos de defesa de direitos humanos, associações de imprensa e
organismos internacionais e foi
apelidada pela oposição chavista e
a mídia local de "lei da mordaça".
Aprovada pela Assembléia Nacional há cerca de uma semana, a
iniciativa passa por uma comissão para a elaboração da versão final, vai a plenário novamente e
então segue para as mãos de Chávez para ser assinada, o que deve
ocorrer nos próximos dias.
A lei foi proposta logo após o
golpe de abril de 2002, que tirou
Chávez do poder por dois dias,
para "regular" a atuação especialmente das emissoras de TV -segundo o presidente venezuelano,
elas apoiaram os golpistas.
Na ocasião, a Venevisión, do
grupo do poderoso empresário
Gustavo Cisneros, um dos maiores opositores a Chávez, fez acordos com outras emissoras para
que não fossem transmitidas as
manifestações a favor do retorno
do presidente ao poder.
Chavistas também afirmam que
as emissoras veicularam protestos de rua com a intenção de provocar mais violência.
"Terror"
As maiores críticas à medida são
que ela é vaga demais, impõe sanções pesadas em caso de infrações
e dá margem não apenas à censura oficial, mas à autocensura.
"Se essa lei fosse aplicada letra
por letra, não haveria liberdade de
imprensa na Venezuela", disse
Alberto Federico Ravell, diretor
do canal Globovisión. "É uma lei
que tem por alvo a mídia que vem
defendendo os venezuelanos de
um governo autoritário."
"A lei é punitiva do começo ao
fim. Ela praticamente institucionaliza uma política de terror contra a mídia", acrescentou Jesus
Garrido, deputado do oposicionista Ação Democrática.
Antes mesmo de a lei ser aprovada, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, da OEA
(Organização dos Estados Americanos), já dissera que ela "não reflete os parâmetros internacionais
de proteção dos direitos humanos, a jurisprudência na matéria
nem as recomendações da comissão". A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) a qualificou
de um "perigo para a liberdade de
expressão".
O artigo mais polêmico é o que
proíbe qualquer transmissão que
"incite alterações da ordem pública" ou seja "contrária à segurança
nacional". Violações a essa norma
podem ser punidas com multas,
suspensão temporária da programação por até 72 horas ou até a
revogação da licença da emissora.
"Essa legislação ameaça gravemente a liberdade de imprensa na
Venezuela", afirmou relatório da
Human Rights Watch. "Suas restrições, redigidas com vagueza e
fortes penalidades, são uma receita para a autocensura da imprensa e a arbitrariedade das autoridades do governo."
A lei estabelece ainda cinco níveis de tolerância de cenas de violência e de sexo na programação,
e outros três níveis de tolerância
de linguagem. Entre 7h e 19h, conteúdos de violência, sexo e linguagem "crua" são restringidos quase totalmente. Infrações são penalizadas com multas que chegam a
até US$ 250 mil.
"Com essas regras, se um evento similar aos ataques do 11 de Setembro em Nova York acontecesse de novo, as emissoras apenas
poderiam falar que o caso está
acontecendo e seriam proibidas
de mostrar qualquer imagem",
disse o deputado Gerardo Blyde,
do Primeiro Justiça, de direita.
"O principal problema dessa lei
é sua margem de interpretação.
Na formulação atual, proíbe a difusão, entre 5h e 23h, de imagens
cuja definição poderia de fato corresponder à de um informativo
televisionado", escreveu a ONG
Repórteres sem Fronteiras em
carta enviada ao ministro de Informação e Comunicação, Andrés Izarra.
Além disso, para a Human
Rights Watch, a restrição, como
desculpa de proteger as crianças,
como diz o governo, também implica submeter adultos "a padrões
visuais restritivos e puritanos".
Descrédito
"[As críticas] são uma tentativa
extremamente suspeita de desacreditar uma lei sem que haja um
conhecimento do que se trata e de
desacreditar o próprio governo",
rebateu Bernardo Alvarez, embaixador da Venezuela nos EUA.
Para Chávez e seus aliados, a lei
vai aumentar a responsabilidade
social das emissoras e a qualidade
da programação ao regular o conteúdo sexual e de violência. O governo também alega que a lei está
de acordo com regulamentos similares ao redor do mundo e que
foi produto de um intenso debate
com todos os setores do país.
"Essa lei pode ter suas imperfeições e falhas, mas é uma lei que
amplia o campo de exercício democrático e das liberdades públicas na Venezuela", disse na semana passada o vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel.
"A mídia ficará a serviço do povo, com mensagens éticas e responsáveis", disse a deputada Desirée Santos, do Movimento
Quinta República, de Chávez.
A lei divide a população. Para
aumentar a polêmica, o partido
de oposição Movimento ao Socialismo e a associação civil Assembléia de Cidadãos disseram que
vão coletar assinaturas para um
referendo sobre a medida.
"Não sei como vamos poder nos
expressar livremente se tivermos
o governo nos dizendo o que podemos e não podemos ver", disse
o operário de construção Miguel
Leonel, 45, à agências de notícias
Associated Press.
A camelô Gloria Acosta, 52, discorda. "[A lei] vai dar aos pais
uma sensação de paz. Tentamos
educar nossas crianças e então esses canais vêm e estragam tudo
com suas programações violentas
e pornográficas."
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