São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

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MÍDIA EM TRANSFORMAÇÃO

Criticada internacionalmente, medida é resposta do presidente venezuelano a apoio da imprensa à tentativa de golpe de 2002

Lei de Chávez vai "regular" rádios e TVs

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

Sob o argumento oficial de que é necessária uma melhora na qualidade da programação das rádios e TVs da Venezuela, o presidente Hugo Chávez está prestes a sancionar uma lei que impõe controles rígidos e pesadas sanções a esses setores da mídia.
A chamada "Lei de Responsabilidade Social para Rádio e TV" já ganhou críticas dos principais grupos de defesa de direitos humanos, associações de imprensa e organismos internacionais e foi apelidada pela oposição chavista e a mídia local de "lei da mordaça".
Aprovada pela Assembléia Nacional há cerca de uma semana, a iniciativa passa por uma comissão para a elaboração da versão final, vai a plenário novamente e então segue para as mãos de Chávez para ser assinada, o que deve ocorrer nos próximos dias.
A lei foi proposta logo após o golpe de abril de 2002, que tirou Chávez do poder por dois dias, para "regular" a atuação especialmente das emissoras de TV -segundo o presidente venezuelano, elas apoiaram os golpistas.
Na ocasião, a Venevisión, do grupo do poderoso empresário Gustavo Cisneros, um dos maiores opositores a Chávez, fez acordos com outras emissoras para que não fossem transmitidas as manifestações a favor do retorno do presidente ao poder.
Chavistas também afirmam que as emissoras veicularam protestos de rua com a intenção de provocar mais violência.

"Terror"
As maiores críticas à medida são que ela é vaga demais, impõe sanções pesadas em caso de infrações e dá margem não apenas à censura oficial, mas à autocensura.
"Se essa lei fosse aplicada letra por letra, não haveria liberdade de imprensa na Venezuela", disse Alberto Federico Ravell, diretor do canal Globovisión. "É uma lei que tem por alvo a mídia que vem defendendo os venezuelanos de um governo autoritário."
"A lei é punitiva do começo ao fim. Ela praticamente institucionaliza uma política de terror contra a mídia", acrescentou Jesus Garrido, deputado do oposicionista Ação Democrática.
Antes mesmo de a lei ser aprovada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), já dissera que ela "não reflete os parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, a jurisprudência na matéria nem as recomendações da comissão". A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) a qualificou de um "perigo para a liberdade de expressão".
O artigo mais polêmico é o que proíbe qualquer transmissão que "incite alterações da ordem pública" ou seja "contrária à segurança nacional". Violações a essa norma podem ser punidas com multas, suspensão temporária da programação por até 72 horas ou até a revogação da licença da emissora.
"Essa legislação ameaça gravemente a liberdade de imprensa na Venezuela", afirmou relatório da Human Rights Watch. "Suas restrições, redigidas com vagueza e fortes penalidades, são uma receita para a autocensura da imprensa e a arbitrariedade das autoridades do governo."
A lei estabelece ainda cinco níveis de tolerância de cenas de violência e de sexo na programação, e outros três níveis de tolerância de linguagem. Entre 7h e 19h, conteúdos de violência, sexo e linguagem "crua" são restringidos quase totalmente. Infrações são penalizadas com multas que chegam a até US$ 250 mil.
"Com essas regras, se um evento similar aos ataques do 11 de Setembro em Nova York acontecesse de novo, as emissoras apenas poderiam falar que o caso está acontecendo e seriam proibidas de mostrar qualquer imagem", disse o deputado Gerardo Blyde, do Primeiro Justiça, de direita.
"O principal problema dessa lei é sua margem de interpretação. Na formulação atual, proíbe a difusão, entre 5h e 23h, de imagens cuja definição poderia de fato corresponder à de um informativo televisionado", escreveu a ONG Repórteres sem Fronteiras em carta enviada ao ministro de Informação e Comunicação, Andrés Izarra.
Além disso, para a Human Rights Watch, a restrição, como desculpa de proteger as crianças, como diz o governo, também implica submeter adultos "a padrões visuais restritivos e puritanos".

Descrédito
"[As críticas] são uma tentativa extremamente suspeita de desacreditar uma lei sem que haja um conhecimento do que se trata e de desacreditar o próprio governo", rebateu Bernardo Alvarez, embaixador da Venezuela nos EUA.
Para Chávez e seus aliados, a lei vai aumentar a responsabilidade social das emissoras e a qualidade da programação ao regular o conteúdo sexual e de violência. O governo também alega que a lei está de acordo com regulamentos similares ao redor do mundo e que foi produto de um intenso debate com todos os setores do país.
"Essa lei pode ter suas imperfeições e falhas, mas é uma lei que amplia o campo de exercício democrático e das liberdades públicas na Venezuela", disse na semana passada o vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel.
"A mídia ficará a serviço do povo, com mensagens éticas e responsáveis", disse a deputada Desirée Santos, do Movimento Quinta República, de Chávez.
A lei divide a população. Para aumentar a polêmica, o partido de oposição Movimento ao Socialismo e a associação civil Assembléia de Cidadãos disseram que vão coletar assinaturas para um referendo sobre a medida.
"Não sei como vamos poder nos expressar livremente se tivermos o governo nos dizendo o que podemos e não podemos ver", disse o operário de construção Miguel Leonel, 45, à agências de notícias Associated Press.
A camelô Gloria Acosta, 52, discorda. "[A lei] vai dar aos pais uma sensação de paz. Tentamos educar nossas crianças e então esses canais vêm e estragam tudo com suas programações violentas e pornográficas."

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