São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

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REINO UNIDO

Segundo a imprensa britânica, a rede pública deverá demitir 6 mil pessoas, quase um quarto de seus funcionários

BBC prepara a maior reestruturação de sua história

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

A BBC (British Broadcasting Corporation) -um dos maiores grupos de mídia do mundo- ganhou destaque na imprensa britânica nas últimas semanas. A rede, que oferece serviço de televisão, rádio e internet, prepara uma grande revisão de suas operações que será anunciada na próxima terça e resultará em demissões.
Jornais como o "Observer" e o "Times" têm dito que 6 mil pessoas serão demitidas, quase um quarto do total de 28 mil funcionários. Se os números forem confirmados, essa será a maior reestruturação da história da BBC.
A empresa diz que as estimativas referentes a demissões divulgadas pela mídia britânica são pura especulação. Mas não nega que haverá cortes. Pelo contrário: "Seria errado se eu dissesse que não ocorrerão cortes", disse uma porta-voz da BBC à Folha na sexta.
No mercado, comenta-se que a grande preocupação da BBC é que o governo inicie um processo gradual de desregulamentação da empresa, que tem concessão pública e é financiada, principalmente, por meio de uma licença compulsória cobrada dos detentores de aparelhos de rádio e tevê.
"Parece que o governo está adotando uma postura mais voltada para o mercado", diz Daya Thussu, especialista em mídia e professor da University of Westminster.
Segundo a porta-voz da BBC, a corporação vem fazendo quatro grandes revisões internas, cujos resultados preliminares serão anunciados pelo diretor-geral da rede, Mark Thompson, depois de amanhã. Os cortes de pessoal poderão não ocorrer imediatamente, mas as recomendações iniciais, resultantes das revisões darão, para a porta-voz, "uma clara idéia das mudanças que serão feitas".
O objetivo da revisão principal é analisar se os recursos que a BBC recebe da população britânica estão sendo bem aproveitados. Além disso, a empresa analisa a qualidade dos programas, o retorno do braço comercial do grupo -o serviço mundial de rádio e Internet- e a perspectiva de transferir algumas operações de Londres para outras cidades.
O principal motivo alegado pela BBC para a reestruturação é a mudança que ocorrerá no sistema televisivo britânico daqui a oito anos, quando haverá completa migração da tecnologia analógica para a digital. A empresa diz que precisa começar a adaptar sua estrutura para essa transformação.
Para especialistas, a explicação é factível, mas não pode ser vista isoladamente. O principal pano de fundo da reestruturação seriam dúvidas quanto a seu futuro como empresa pública, subsidiada pelo Estado e pela população.
A maior fonte de renda da BBC é a licença anual, 121 libras (cerca de R$ 635) para detentores de aparelhos de TV e 40,5 libras (R$ 213) para os que possuem rádio. Em 2003, a receita total da empresa com os pagamentos dessas tarifas chegou a 2,8 bilhões de libras.
Mas a cada dez anos a licença concedida à BBC é renovada. O próximo prazo vence em 2006, e especula-se que o governo pode mudar as regras do jogo.
Os custos de operação da empresa têm sido muito altos e, apesar do aumento constante das receitas, em 2003, a BBC teve déficit de 249 milhões de libras. Em 2002, a empresa também registrara déficit operacional. A empresa diz em seu balanço que, como não possui acionistas, seu objetivo não é ter lucros, que os prejuízos tendem a ser revertidos e são fruto de novos investimentos em programas e serviços. Mas a questão levantada pelo mercado é se esses resultados não indicam que a população está arcando com custos elevados demais.
O diretor-geral da empresa aparenta preocupação com esse assunto. Segundo a imprensa local, Thompson teria dito a executivos da BBC que pretende deixar a empresa o mais enxuta possível.
Recentes choques políticos com o governo alimentam as preocupações. Os problemas pioraram durante a guerra do Iraque, quando um repórter da BBC disse no rádio, com base em informações passadas por uma fonte, que o governo do premiê Tony Blair havia inflado seu dossiê sobre armas de destruição em massa do Iraque, tornando-o "mais sexy", a fim de justificar a invasão do país.
Mais tarde vazou a informação de que a fonte da matéria era o cientista David Kelly, que acabou se suicidando. O caso deu origem a uma investigação, que concluiu que a acusação da BBC não tinha fundamento. Depois disso, o presidente da BBC Gavyn Davies e o diretor-geral da corporação Greg Dyke pediram demissão.
O incêndio causado pela guerra foi apagado, mas, para a imprensa, o governo mantém a linha crítica. Segundo o "Observer", a ministra da Cultura, Tessa Jowell, teria dito a parlamentares que a BBC deve reforçar o compromisso com a imparcialidade, focando-se mais na precisão da notícia do que em comentários e análises.
Tessa é quem vai dar a palavra final sobre a renovação da licença da BBC e, para analistas, irá considerar todos esses aspectos na hora de tomar a decisão final.

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