São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

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DIPLOMACIA

Reforma da entidade não deverá ser concluída em 2005 apesar da determinação do secretário-geral Kofi Annan

Brasil não terá direito de veto no CS da ONU, para analistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O projeto de reforma da ONU, que tem duas propostas distintas de ampliação de seu Conselho de Segurança (a mais alta instância de tomada de decisões da entidade) e foi apresentado nesta semana, dificilmente será concluído em 2005 -conforme deseja o secretário-geral Kofi Annan-, e o Brasil não tem nenhuma chance de obter poder de veto no CS mesmo que venha a ter um assento permanente -como quer o governo brasileiro-, segundo especialistas consultados pela Folha.
Mesmo a cadeira permanente no CS não será obtida com facilidade pelo Brasil. Basta observar a aliança feita pela Argentina e pelo Paquistão para bloquear o aumento do número de vagas permanentes no órgão. "Há boas propostas de reforma do CS, que ainda reflete uma lógica geopolítica e geoestratégica do pós-guerra. Contudo será complexo implementá-las se a idéia de expandir os assentos permanentes for privilegiada", analisou Joseph Nye, que foi membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
"Isso meramente por razões geopolíticas básicas. Se a Índia receber uma vaga permanente, o Paquistão, seu rival tradicional, ficará bastante descontente. Se a Alemanha obtiver o mesmo status, isso desagradará à Itália, que também perdeu a Segunda Guerra e não entende por que não merece o mesmo tratamento que a Alemanha", acrescentou o ex-reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard.
De fato, ao menos cinco países demandam ativamente uma cadeira permanente no CS: o Brasil, o Japão, a Alemanha, a Índia e a África do Sul. Todavia Tóquio e Berlim já admitem abrir mão do direito de veto para garantir uma vaga permanente. Vale lembrar que outros cinco Estados -os EUA, a Rússia, a China, o Reino Unido e a França- já a possuem, o que lhes dá direito de veto no órgão. O maior problema para o Brasil, de acordo com os analistas, são as rivalidades regionais.
"A tentativa brasileira de obter uma vaga permanente desagrada à Argentina e ao México, que também gostariam de representar a América Latina no CS. A veleidade sul-africana de conseguir essa cadeira vai de encontro às intenções da Nigéria, que também se considera uma potência regional africana. O Japão incomoda a China, com quem teve vários conflitos no passado. Assim, não será fácil a ampliação dos assentos permanentes", explicou Michael Kreile, da Universidade Humboldt, situada em Berlim.
Por conta disso, para Charles Tilly, autor de "From Contention to Democracy" (da contenção à democracia), e para Nye, a proposta que não prevê a criação de novas vagas permanentes no CS, mas defende a existência de postos "semipermanentes" -que também não dariam direito a veto, mas assegurariam um mandato renovável de quatro anos a seus detentores-, tem muito mais possibilidades de ser aprovada.
"Se alguns países, como o Brasil ou a Índia, se obstinarem em receber o privilégio de fazer parte do "clube dos grandes", a reforma do sistema da ONU ficará emperrada ou seu desejo simplesmente não será satisfeito, visto que os riscos de criar uma crise diplomática serão enormes", avaliou Tilly.
"A proposta que prevê a existência de membros "semipermanentes" do CS é mais realista, pois, potencialmente, os países teriam de conquistar seu espaço no órgão. Afinal, sua reeleição dependeria de suas contribuições para a ONU e para as missões de paz da entidade. Isso tanto financeira quanto militarmente. Os candidatos terão, com isso, de provar que merecem um assento no conselho. Assim, a ONU sairia fortalecida da reforma", apontou Nye.
"Esta já será complexa por si só. Se houver uma exigência de alguns países de obter poder de veto, como parece ser a posição do Brasil, a reforma será duas vezes mais difícil. Deve-se salientar que qualquer mudança no sistema da ONU deverá ser aprovada pelo CS e que qualquer um de seus cinco membros permanentes atuais poderia vetá-la", acrescentou.
Num contexto de guerra ao terrorismo global liderada pelos EUA, desconfiança mútua na cena internacional e medo da proliferação de armas de destruição em massa, dificilmente grandes potências permitirão a extensão do direito de veto a outros países.
Segundo Stephen Johnson, da Fundação Heritage (centro de pesquisas conservador dos EUA), a ONU deveria aprender uma lição com a OEA (Organização dos Estados Americanos), não permitindo que países não-democráticos façam parte de seus quadros.
"A inabilidade do sistema da ONU para enfrentar um ditador cruel, como Saddam Hussein, ou Estados que patrocinam atos terroristas expõe a necessidade de uma mudança radical. O exemplo da OEA deve ser seguido, pois ela tem uma cláusula democrática em seus estatutos", disse Johnson.
Mas, segundo Ole Holsti, co-autor de "Unity and Disintegration in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças internacionais), isso não seria aceitável. "Qual seria o valor de um pequeno clube de países democráticos? Quem teria o direito de determinar quem é e quem não é democrático? Indiretamente, essa proposta é um modo de dizer que a ONU deve ser relegada ao segundo plano pelos EUA. Isso significaria o fim da entidade."

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