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DIPLOMACIA
Reforma da entidade não deverá ser concluída em 2005 apesar da determinação do secretário-geral Kofi Annan
Brasil não terá direito de veto no CS da ONU, para analistas
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O projeto de reforma da ONU,
que tem duas propostas distintas
de ampliação de seu Conselho de
Segurança (a mais alta instância
de tomada de decisões da entidade) e foi apresentado nesta semana, dificilmente será concluído
em 2005 -conforme deseja o secretário-geral Kofi Annan-, e o
Brasil não tem nenhuma chance
de obter poder de veto no CS mesmo que venha a ter um assento
permanente -como quer o governo brasileiro-, segundo especialistas consultados pela Folha.
Mesmo a cadeira permanente
no CS não será obtida com facilidade pelo Brasil. Basta observar a
aliança feita pela Argentina e pelo
Paquistão para bloquear o aumento do número de vagas permanentes no órgão. "Há boas
propostas de reforma do CS, que
ainda reflete uma lógica geopolítica e geoestratégica do pós-guerra.
Contudo será complexo implementá-las se a idéia de expandir
os assentos permanentes for privilegiada", analisou Joseph Nye,
que foi membro do Conselho de
Segurança Nacional dos EUA.
"Isso meramente por razões
geopolíticas básicas. Se a Índia receber uma vaga permanente, o
Paquistão, seu rival tradicional, ficará bastante descontente. Se a
Alemanha obtiver o mesmo status, isso desagradará à Itália, que
também perdeu a Segunda Guerra e não entende por que não merece o mesmo tratamento que a
Alemanha", acrescentou o ex-reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard.
De fato, ao menos cinco países
demandam ativamente uma cadeira permanente no CS: o Brasil,
o Japão, a Alemanha, a Índia e a
África do Sul. Todavia Tóquio e
Berlim já admitem abrir mão do
direito de veto para garantir uma
vaga permanente. Vale lembrar
que outros cinco Estados -os
EUA, a Rússia, a China, o Reino
Unido e a França- já a possuem,
o que lhes dá direito de veto no órgão. O maior problema para o
Brasil, de acordo com os analistas,
são as rivalidades regionais.
"A tentativa brasileira de obter
uma vaga permanente desagrada
à Argentina e ao México, que também gostariam de representar a
América Latina no CS. A veleidade sul-africana de conseguir essa
cadeira vai de encontro às intenções da Nigéria, que também se
considera uma potência regional
africana. O Japão incomoda a
China, com quem teve vários conflitos no passado. Assim, não será
fácil a ampliação dos assentos
permanentes", explicou Michael
Kreile, da Universidade Humboldt, situada em Berlim.
Por conta disso, para Charles
Tilly, autor de "From Contention
to Democracy" (da contenção à
democracia), e para Nye, a proposta que não prevê a criação de
novas vagas permanentes no CS,
mas defende a existência de postos "semipermanentes" -que
também não dariam direito a veto, mas assegurariam um mandato renovável de quatro anos a seus
detentores-, tem muito mais
possibilidades de ser aprovada.
"Se alguns países, como o Brasil
ou a Índia, se obstinarem em receber o privilégio de fazer parte do
"clube dos grandes", a reforma do
sistema da ONU ficará emperrada
ou seu desejo simplesmente não
será satisfeito, visto que os riscos
de criar uma crise diplomática serão enormes", avaliou Tilly.
"A proposta que prevê a existência de membros "semipermanentes" do CS é mais realista, pois,
potencialmente, os países teriam
de conquistar seu espaço no órgão. Afinal, sua reeleição dependeria de suas contribuições para a
ONU e para as missões de paz da
entidade. Isso tanto financeira
quanto militarmente. Os candidatos terão, com isso, de provar
que merecem um assento no conselho. Assim, a ONU sairia fortalecida da reforma", apontou Nye.
"Esta já será complexa por si só.
Se houver uma exigência de alguns países de obter poder de veto, como parece ser a posição do
Brasil, a reforma será duas vezes
mais difícil. Deve-se salientar que
qualquer mudança no sistema da
ONU deverá ser aprovada pelo CS
e que qualquer um de seus cinco
membros permanentes atuais poderia vetá-la", acrescentou.
Num contexto de guerra ao terrorismo global liderada pelos
EUA, desconfiança mútua na cena internacional e medo da proliferação de armas de destruição
em massa, dificilmente grandes
potências permitirão a extensão
do direito de veto a outros países.
Segundo Stephen Johnson, da
Fundação Heritage (centro de
pesquisas conservador dos EUA),
a ONU deveria aprender uma lição com a OEA (Organização dos
Estados Americanos), não permitindo que países não-democráticos façam parte de seus quadros.
"A inabilidade do sistema da
ONU para enfrentar um ditador
cruel, como Saddam Hussein, ou
Estados que patrocinam atos terroristas expõe a necessidade de
uma mudança radical. O exemplo
da OEA deve ser seguido, pois ela
tem uma cláusula democrática
em seus estatutos", disse Johnson.
Mas, segundo Ole Holsti, co-autor de "Unity and Disintegration
in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças
internacionais), isso não seria
aceitável. "Qual seria o valor de
um pequeno clube de países democráticos? Quem teria o direito
de determinar quem é e quem não
é democrático? Indiretamente, essa proposta é um modo de dizer
que a ONU deve ser relegada ao
segundo plano pelos EUA. Isso
significaria o fim da entidade."
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