São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2002

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Fanático do câmbio fixo quer dolarização argentina

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O fanático do ""currency board", regime monetário que a Argentina decidiu abandonar, voltou atrás. Mas não completamente.
Steve Hanke, 57, economista da Johns Hopkins University (EUA), que desenhou o modelo introduzido pelo ministro Domingo Cavallo, em 1991, na Argentina, afirma que em 1999 havia preparado um informe para o então presidente Carlos Menem recomendando que o país ""saísse de seu não-ortodoxo sistema de câmbio fixo e dolarizasse a economia".
Hanke é o mesmo que, em 1995, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, previu que o real estava condenado a fracassar. ""O real está condenado a fracassar. Só o "currency board" ata as mãos dos políticos e impede que possam fazer o que quiserem. Nenhum "currency board", como o da Argentina, desvalorizou sua moeda", disse Hanke, à época. Na sexta-feira, o novo presidente argentino, Eduardo Duhalde, admitia que ""a desvalorização do peso já é um fato".
Em entrevista que concedeu à Folha, por e-mail, antes do anúncio do plano de Duhalde, Hanke insiste que não errou na avaliação do modelo cambial argentino. Pelo contrário: enumerou o que teriam sido ""asneiras" (em suas palavras), cometidas pelas autoridades do país vizinho desde 1995 e que teriam provocado o fracasso do regime. O economista sustentou que a eventual adoção de um sistema de câmbio flutuante na Argentina, seguindo o caminho que o Brasil optou em 1999, ""será um desastre".
""A dolarização ainda me parece a melhor alternativa para a Argentina", afirma Hanke.

Folha - O senhor errou em suas análises sobre o sistema de câmbio argentino? O senhor havia dito que o ""currency board" ata as mãos dos políticos e impede que façam o que quiserem e que nenhum país que o adotou, como a Argentina, desvalorizou sua moeda...
Steve Hanke -
Não errei. Desde 1991, quando a Argentina adotou seu não-ortodoxo ""currency board", Kurt Schuler (economista norte-americano especialista em modelos monetários) e eu escrevemos artigos em que concluímos que, para evitar um desastre, a Argentina deveria tornar seu currency board ortodoxo ou dolarizar a economia. Infelizmente, nenhuma das recomendações foi implementada e nossas previsões se realizaram.

Folha - O senhor ainda acredita que eles deveriam ter mantido esse modelo por uma década, como fizeram?
Hanke -
Eu não acredito nisso há algum tempo. Em fevereiro de 1999, preparamos um relatório para o [ex" presidente Carlos Menem, em que recomendávamos que saíssem daquele sistema não-ortodoxo e dolarizassem a economia. A dolarização ainda me parece ser a melhor alternativa para o país. Depois da moratória e da crise do sistema financeiro, o Equador anunciou, em 2000, a dolarização de sua economia.
Os resultados têm sido muito bons. A fuga de recursos internos e externos foi revertida rapidamente, e o país obteve um choque de confiança, que se reflete nos indicadores. Eu já preparei um relatório (""Como fazer a dolarização na Argentina") mostrando os últimos passos que eles devem tomar para dolarizar sua economia.

Folha - Quais foram os grandes erros das autoridades argentinas?
Hanke -
A agudização da crise política e econômica do país é resultado de uma sequência interna de asneiras (""blunders").
1) Desde 1995, as principais reformas econômicas foram interrompidas. Consequentemente, os sistemas fiscais, de mercado de trabalho, seguridade social e saúde permanecem sem reformas e precisam de modernização;
2) Em 1999, a Argentina elegeu um frágil governo esquerdista. Esse governo era liderado pelo presidente De la Rúa. Apesar de ser um homem decente, ele permaneceu distante e afastado da realidade política e econômica da Argentina;
3) Em 2000 e 2001, o governo De la Rúa anunciou três planos com aumento de impostos seguindo recomendação do FMI. Levou os impostos da Argentina a níveis altíssimos. Não surpreendentemente, os pacotes pararam a economia e a arrecadação entrou em colapso. Como resultado, a Argentina ficou sem condições de pagar suas dívidas;
4) Em março último, Cavallo foi nomeado ministro da Economia. Os princípios de Cavallo são tão instáveis quanto o patrimônio de um banco. Isso, combinado com sua hiperatividade, resultou em um coquetel mortal;
5) Em junho, a Argentina introduziu um sistema múltiplo de taxa de câmbio [a cesta de moeda, com a média da cotação do dólar e do euro, válida para os exportadores". Foi o começo do fim porque a Argentina abandonou seu sistema de "currency board". Como consequência, a fuga de capitais e de reservas se acelerou;
6) Em dezembro, a Argentina impôs um teto para as taxas de juros para as operações em pesos. Consequência: acelerou a corrida aos bancos;
7) Na tentativa de diminuir o ritmo da saída de capitais do sistema financeiro, o governo impôs controle de câmbio.

Folha - O câmbio flutuante não seria a melhor opção para a Argentina?
Hanke -
O câmbio flutuante na Argentina será um desastre. Basta monitorar o ritmo da corrida aos bancos nos próximos dias.




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