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SOCIEDADE
Para o historiador Thomas Woods Jr., autor de best-seller, historiografia tradicional é "propaganda do governo"
"É preciso falar a verdade", diz revisionista
DA REDAÇÃO
Há décadas, a historiografia tradicional classifica de "história
americana" absurdos que, freqüentemente, são pouco mais que
propaganda governamental. "Autoridades são descritas como cruzados benevolentes que lutam e se
sacrificam pela justiça, e a expansão e a centralização do poder governamental são mostradas como
fatos positivos, embora haja provas de que isso não é verdade."
A análise é de Thomas Woods
Jr., professor de história da Faculdade do Condado de Suffolk, no
Estado de Nova York, e autor de
dezenas de artigos e livros controversos que buscam fazer uma releitura de eventos históricos, como "Discrimination Myths that
Everyone Believes" (mitos sobre a
discriminação em que todos acreditam) e "The Real Significance of
the "Civil War'" (o real significado
da "Guerra da Secessão').
Seu livro "The Politically Incorrect Guide to American History"
(o guia politicamente incorreto da
história americana) chegou ao oitavo lugar nos mais vendidos do
"New York Times". Leia a seguir
trechos de sua entrevista à Folha.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)
Folha - Por que escrever uma
obra que desafia a historiografia
tradicional e aborda certos temas
de modo tão controverso?
Thomas Woods Jr. - Porque o absurdo que vem sendo ensinado
como "história americana" há décadas é, freqüentemente, pouco
mais que propaganda pró-governo, além de ser escrito por simpatizantes do governo. É preciso dizer a verdade aos leitores.
Autoridades são descritas como
cruzados benevolentes que lutam
e se sacrificam pela justiça, e a expansão e a centralização do poder
governamental são mostradas como fatos positivos, embora haja
provas de que isso não é verdade.
Folha - O sr. diz que a 14ª Emenda
à Constituição dos EUA não foi ratificada corretamente. Isso significa
que algumas formas de discriminação sexual, religiosa ou racial podem ser constitucionais?
Woods Jr. - Não há dúvida de que
a 14ª Emenda à Constituição nunca foi corretamente ratificada. Todavia sua verdadeira intenção não
tinha nada a ver com "discriminação sexual ou religiosa". Ela devia
garantir que escravos recém-libertos tivessem seus direitos protegidos no que tange à assinatura
de contratos, à aquisição de propriedades e ao acesso à Justiça.
Como muitos outros aspectos
da Constituição dos EUA, entretanto, o que começou como uma
questão limitada se transformou,
ao longo dos anos, numa concessão ilimitada de poder. Hoje a 14ª
Emenda é utilizada para justificar
todos os tipos de interferência ultrajante do governo federal nos
assuntos dos Estados. Mas essas
interferências nunca foram imaginadas por quem redigiu a lei.
Folha - O que o sr. pensa do Civil
Rights Act [lei de direitos civis] de
1964 e da decisão da Suprema Corte que pôs fim à segregação nas escolas, conhecida como "Brown versus Conselho de Educação" [1954]?
Woods Jr. - Meu livro demonstra
que o Civil Rights Act, o primeiro
grande bloco de legislação antidiscriminação da história dos
EUA, não fez nada para acelerar
tendências positivas no que tange
aos níveis de emprego da comunidade negra. Americanos de origem japonesa ganhavam o mesmo que os brancos já em 1959.
Como quer levar os créditos de
todos os progressos que afetaram
sua comunidade, contudo, o establishment negro está inclinado a
atribuir o sucesso a programas
governamentais. É assim que os
mitos são criados.
No que concerne à Suprema
Corte, meu livro mostra que os fatos que serviram de base para a
tomada da decisão são hoje vistos
como fraudulentos e que a existência de escolas multirraciais não
fez nada para melhorar os resultados acadêmicos dos alunos negros. Alguém pode ainda acreditar que existam argumentos morais para o fim da segregação nas
escolas, mas essa não é uma preocupação de um livro de história.
Meu livro ressalta que só metade dos negros do sul dos EUA
apoiaram a decisão da Suprema
Corte e que a escritora negra Zora
Neale Hurston [1891-1960] a considerou um insulto à sua raça,
pois significava explicitamente
que as escolas freqüentadas por
negros eram inferiores às outras.
Folha - O sr. argumenta que a
criação da Previdência Social minou a economia americana. Seria,
portanto, sensato aboli-la?
Woods Jr. - Não há dúvida de que
a Previdência mina a economia,
pois, além de ter tornado a contratação de empregados mais cara, ela não investe o dinheiro que
tira das pessoas. Ela tira o dinheiro de alguns e dá para outros. Não
há "fundos de pensão", e o dinheiro não é investido, mas consumido. Isso mina a economia.
Creio que ela deva ser abolida
pela razão moral de que se trata de
um programa obrigatório de poupança, não porque isso prejudica
a economia, o que seria uma
preocupação utilitária. Se dizemos que as pessoas são estúpidas
demais para cuidar de seu dinheiro, por que não dizer que elas são
estúpidas demais para votar?
O programa de privatização do
presidente [George W.] Bush,
que, de modo previsível, é descrito por conservadores e pela esquerda como algo de "livre mercado", será um desastre por várias
razões. Os custos de transição serão enormes, por exemplo.
Folha - O sr. sustenta que a Primeira Emenda à Constituição se
aplica só ao governo federal. Isso
significa que os Estados deveriam
ter o direito de, por exemplo, impor uma religião a seus cidadãos?
Woods Jr. - À época em que foi
adotada, ninguém pensava que a
Primeira Emenda pudesse ser
aplicada aos Estados ou aos municípios. O modo como ela foi redigida deixa claro que ela se aplica
apenas ao governo federal. Mesmo Thomas Jefferson, cuja visão
sobre a religião não era nada ortodoxa, não queria que o governo
federal impusesse uma política
religiosa uniforme ao país inteiro.
Com razão, ele não confiava
num governo federal distante e
acreditava que as municipalidades pudessem autogovernar-se.
Hoje, todavia, o governo federal
diz a todas as escolas do país o que
elas podem ou não fazer. Trata-se
do contrário do que pensavam os
que fizeram a Constituição.
Folha - Qual é sua opinião sobre a
Guerra do Iraque?
Woods Jr. - Sempre fui contrário
à guerra, que foi desnecessária e
injusta e, certamente, criou muitos problemas graves. Além disso,
ela serviu para isolar ainda mais
os EUA na cena internacional.
Folha - O que o sr. pensa da rixa
transatlântica gerada pela guerra?
Woods Jr. - É interessante que
quase tudo o que a França disse
que iria acontecer no Iraque tenha
se tornado realidade. Fico feliz
que ao menos alguns importantes
líderes europeus estejam cansados das loucuras que os neoconservadores têm feito em Washington e se oponham a elas.
Como um conservador poderia
apoiar a política externa revolucionária e messiânica de Bush?
Afinal, ela é utópica e excessivamente custosa, além de ser responsável pelo surgimento dos diversos novos inimigos dos EUA.
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