São Paulo, domingo, 06 de fevereiro de 2005

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SOCIEDADE

Para o historiador Thomas Woods Jr., autor de best-seller, historiografia tradicional é "propaganda do governo"

"É preciso falar a verdade", diz revisionista

DA REDAÇÃO

Há décadas, a historiografia tradicional classifica de "história americana" absurdos que, freqüentemente, são pouco mais que propaganda governamental. "Autoridades são descritas como cruzados benevolentes que lutam e se sacrificam pela justiça, e a expansão e a centralização do poder governamental são mostradas como fatos positivos, embora haja provas de que isso não é verdade."
A análise é de Thomas Woods Jr., professor de história da Faculdade do Condado de Suffolk, no Estado de Nova York, e autor de dezenas de artigos e livros controversos que buscam fazer uma releitura de eventos históricos, como "Discrimination Myths that Everyone Believes" (mitos sobre a discriminação em que todos acreditam) e "The Real Significance of the "Civil War'" (o real significado da "Guerra da Secessão').
Seu livro "The Politically Incorrect Guide to American History" (o guia politicamente incorreto da história americana) chegou ao oitavo lugar nos mais vendidos do "New York Times". Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha. (MÁRCIO SENNE DE MORAES)

Folha - Por que escrever uma obra que desafia a historiografia tradicional e aborda certos temas de modo tão controverso?
Thomas Woods Jr. -
Porque o absurdo que vem sendo ensinado como "história americana" há décadas é, freqüentemente, pouco mais que propaganda pró-governo, além de ser escrito por simpatizantes do governo. É preciso dizer a verdade aos leitores.
Autoridades são descritas como cruzados benevolentes que lutam e se sacrificam pela justiça, e a expansão e a centralização do poder governamental são mostradas como fatos positivos, embora haja provas de que isso não é verdade.

Folha - O sr. diz que a 14ª Emenda à Constituição dos EUA não foi ratificada corretamente. Isso significa que algumas formas de discriminação sexual, religiosa ou racial podem ser constitucionais?
Woods Jr. -
Não há dúvida de que a 14ª Emenda à Constituição nunca foi corretamente ratificada. Todavia sua verdadeira intenção não tinha nada a ver com "discriminação sexual ou religiosa". Ela devia garantir que escravos recém-libertos tivessem seus direitos protegidos no que tange à assinatura de contratos, à aquisição de propriedades e ao acesso à Justiça.
Como muitos outros aspectos da Constituição dos EUA, entretanto, o que começou como uma questão limitada se transformou, ao longo dos anos, numa concessão ilimitada de poder. Hoje a 14ª Emenda é utilizada para justificar todos os tipos de interferência ultrajante do governo federal nos assuntos dos Estados. Mas essas interferências nunca foram imaginadas por quem redigiu a lei.

Folha - O que o sr. pensa do Civil Rights Act [lei de direitos civis] de 1964 e da decisão da Suprema Corte que pôs fim à segregação nas escolas, conhecida como "Brown versus Conselho de Educação" [1954]?
Woods Jr. -
Meu livro demonstra que o Civil Rights Act, o primeiro grande bloco de legislação antidiscriminação da história dos EUA, não fez nada para acelerar tendências positivas no que tange aos níveis de emprego da comunidade negra. Americanos de origem japonesa ganhavam o mesmo que os brancos já em 1959. Como quer levar os créditos de todos os progressos que afetaram sua comunidade, contudo, o establishment negro está inclinado a atribuir o sucesso a programas governamentais. É assim que os mitos são criados.
No que concerne à Suprema Corte, meu livro mostra que os fatos que serviram de base para a tomada da decisão são hoje vistos como fraudulentos e que a existência de escolas multirraciais não fez nada para melhorar os resultados acadêmicos dos alunos negros. Alguém pode ainda acreditar que existam argumentos morais para o fim da segregação nas escolas, mas essa não é uma preocupação de um livro de história.
Meu livro ressalta que só metade dos negros do sul dos EUA apoiaram a decisão da Suprema Corte e que a escritora negra Zora Neale Hurston [1891-1960] a considerou um insulto à sua raça, pois significava explicitamente que as escolas freqüentadas por negros eram inferiores às outras.

Folha - O sr. argumenta que a criação da Previdência Social minou a economia americana. Seria, portanto, sensato aboli-la?
Woods Jr. -
Não há dúvida de que a Previdência mina a economia, pois, além de ter tornado a contratação de empregados mais cara, ela não investe o dinheiro que tira das pessoas. Ela tira o dinheiro de alguns e dá para outros. Não há "fundos de pensão", e o dinheiro não é investido, mas consumido. Isso mina a economia.
Creio que ela deva ser abolida pela razão moral de que se trata de um programa obrigatório de poupança, não porque isso prejudica a economia, o que seria uma preocupação utilitária. Se dizemos que as pessoas são estúpidas demais para cuidar de seu dinheiro, por que não dizer que elas são estúpidas demais para votar?
O programa de privatização do presidente [George W.] Bush, que, de modo previsível, é descrito por conservadores e pela esquerda como algo de "livre mercado", será um desastre por várias razões. Os custos de transição serão enormes, por exemplo.

Folha - O sr. sustenta que a Primeira Emenda à Constituição se aplica só ao governo federal. Isso significa que os Estados deveriam ter o direito de, por exemplo, impor uma religião a seus cidadãos?
Woods Jr. -
À época em que foi adotada, ninguém pensava que a Primeira Emenda pudesse ser aplicada aos Estados ou aos municípios. O modo como ela foi redigida deixa claro que ela se aplica apenas ao governo federal. Mesmo Thomas Jefferson, cuja visão sobre a religião não era nada ortodoxa, não queria que o governo federal impusesse uma política religiosa uniforme ao país inteiro.
Com razão, ele não confiava num governo federal distante e acreditava que as municipalidades pudessem autogovernar-se. Hoje, todavia, o governo federal diz a todas as escolas do país o que elas podem ou não fazer. Trata-se do contrário do que pensavam os que fizeram a Constituição.

Folha - Qual é sua opinião sobre a Guerra do Iraque?
Woods Jr. -
Sempre fui contrário à guerra, que foi desnecessária e injusta e, certamente, criou muitos problemas graves. Além disso, ela serviu para isolar ainda mais os EUA na cena internacional.

Folha - O que o sr. pensa da rixa transatlântica gerada pela guerra?
Woods Jr. -
É interessante que quase tudo o que a França disse que iria acontecer no Iraque tenha se tornado realidade. Fico feliz que ao menos alguns importantes líderes europeus estejam cansados das loucuras que os neoconservadores têm feito em Washington e se oponham a elas.
Como um conservador poderia apoiar a política externa revolucionária e messiânica de Bush? Afinal, ela é utópica e excessivamente custosa, além de ser responsável pelo surgimento dos diversos novos inimigos dos EUA.

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