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COLÔMBIA
Desde 2003, mais de 4.500 paramilitares depuseram suas armas; críticos dizem que o processo favorece a impunidade
Desmobilização de "paras" põe Uribe em xeque
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, está sob o fogo cruzado de governos estrangeiros,
ONGs e mídia por algo que sua
administração considera uma peça-chave nos planos para pôr fim
ao conflito armado que aflige o
país há quatro décadas: a desmobilização de paramilitares.
Uribe retomou em 2003 as negociações de paz com as AUC
(Autodefesas Unidas da Colômbia), grupo paramilitar de extrema-direita criado nos anos 80 para combater as guerrilhas de esquerda e que deixou em seu rastro
milhares de mortes. Além de um
acordo de cessar-fogo, as negociações prevêem a meta audaciosa de
desmobilização total dos 20 mil
"paras" até dezembro deste ano.
A proposta tem o apoio da OEA
(Organização dos Estados Americanos) e da Igreja Católica.
Desde o início do processo, segundo o Ministério da Defesa,
mais de 4.500 paramilitares entregaram armas. Na maior desmobilização, em dezembro, 1.425 homens do poderoso "Bloco Catacumbo" depuseram armas -incluindo um dos líderes históricos
das AUC, Salvatore Mancuso.
Uribe começou o ano determinado a cumprir sua meta. Apenas
em janeiro e fevereiro, 1.156 paramilitares depuseram armas. O último caso foi o do bloco "Mojana"
das AUC, que na última quarta-feira desmobilizou 105 combatentes no Departamento de Sucre.
O problema, segundo críticos
da iniciativa, é que o processo coloca os paramilitares numa espécie de limbo: eles entregam as armas, mas questões sobre o julgamento de crimes que cometeram
e o modo como serão reintegrados à sociedade colombiana permanecem indefinidas. Falta um
marco jurídico para o processo.
No caso do "Mojana", por
exemplo, a maioria dos combatentes deve retornar às suas casas
após cumprir as fases de identificação e capacitação previstas pelo
governo. Apenas cinco líderes,
aos quais são atribuídos crimes
graves, foram para Santa Fe de
Ralito, no Departamento de Córdoba, a área de exclusão de 368
km2 criada no processo.
Eles ficam ali até que seja aprovada a chamada "Lei de Verdade,
Justiça e Reparação", que deve fixar penas e condições de julgamento para os líderes paramilitares -com a garantia de não serem extraditados para os EUA.
Para os demais, porém, a situação
equivale, na prática, a um indulto.
Tanto que, em alguns casos, criminosos comuns se juntaram às
fileiras paramilitares no momento da desmobilização para escapar de eventuais punições.
"Há um risco real de que esse
processo de desmobilização deixe
as estruturas desses grupos violentos intacta, seus bens adquiridos ilegalmente, intocados, e seus
abusos, sem punição", escreveu a
Human Rights Watch, uma das
principais ONGs opositoras ao
processo, em relatório intitulado
"Letting Paramilitaries off the
Hook" ("Livrando a cara dos paramilitares", em tradução livre).
"Em futuras desmobilizações,
outros grupos armados vão esperar receber as mesmas vantagens
que os paramilitares", alertou.
Na semana passada, a entidade
voltou à carga, desta vez às vésperas da reunião da Mesa de Coordenação e Cooperação, em Cartagena, em que 36 países definiriam
o apoio ao processo. "A comunidade internacional não deveria
apoiar uma fachada de processo
de desmobilização que serve principalmente aos interesses dos líderes paramilitares", disse José
Manuel Vivanco, diretor da ONG.
Juntaram-se ao coro os jornais
americanos "The New York Times" e "Chicago Tribune", que
criticaram em editoriais a "benevolência" do governo. Em carta
enviada a Uribe, parlamentares
republicanos e democratas disseram que o Congresso dos EUA
não aprovará fundos para a Colômbia até que o vácuo legal seja
eliminado, garantindo o desmonte total das estruturas dos grupos.
Desmobilização simbólica
"A desmobilização dos paramilitares é relativamente fácil, é quase que simbólica. Mas duvido que
essa situação possa se manter",
disse à Folha o analista político
colombiano Andrés Villamizar.
"Para eles, conseguir novas armas e novos homens é fácil. O
grande desafio do governo e da
sociedade colombiana vai ser trocar o modelo de segurança privada e ilegítima que os paramilitares
representam por um modelo de
segurança legítimo e legal, baseado na presença do Estado. Também é preciso substituir toda essa
estrutura econômica e social, ligada à coca, por uma que seja legal."
Aí entra o problema da reinserção social. "O governo pode chegar até o ponto de dar-lhes capacitação, mas no fim das contas vai
depender do setor privado e da
sociedade acolhê-los. E alguns levam 20 anos lutando", disse.
Os representantes dos países
reunidos em Cartagena resolveram dar aval ao processo, mas
não sem novas pressões. "Paz é o
que queremos, mas há condições
para consegui-la: que tenhamos
um marco jurídico sério, equilibrado e que não permita a impunidade", disse o representante da
Comissão Européia, Eneko Landaburu, à agência France Presse.
"Foi surpreendente. A expectativa era que a reunião fosse um
fracasso total, que houvesse uma
nota negativa, mas houve apoio,
contra todos os prognósticos.
Mas eles vão ficar em compasso
de espera", disse Villamizar.
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