São Paulo, domingo, 06 de fevereiro de 2005

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COLÔMBIA

Desde 2003, mais de 4.500 paramilitares depuseram suas armas; críticos dizem que o processo favorece a impunidade

Desmobilização de "paras" põe Uribe em xeque

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, está sob o fogo cruzado de governos estrangeiros, ONGs e mídia por algo que sua administração considera uma peça-chave nos planos para pôr fim ao conflito armado que aflige o país há quatro décadas: a desmobilização de paramilitares.
Uribe retomou em 2003 as negociações de paz com as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), grupo paramilitar de extrema-direita criado nos anos 80 para combater as guerrilhas de esquerda e que deixou em seu rastro milhares de mortes. Além de um acordo de cessar-fogo, as negociações prevêem a meta audaciosa de desmobilização total dos 20 mil "paras" até dezembro deste ano. A proposta tem o apoio da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da Igreja Católica.
Desde o início do processo, segundo o Ministério da Defesa, mais de 4.500 paramilitares entregaram armas. Na maior desmobilização, em dezembro, 1.425 homens do poderoso "Bloco Catacumbo" depuseram armas -incluindo um dos líderes históricos das AUC, Salvatore Mancuso.
Uribe começou o ano determinado a cumprir sua meta. Apenas em janeiro e fevereiro, 1.156 paramilitares depuseram armas. O último caso foi o do bloco "Mojana" das AUC, que na última quarta-feira desmobilizou 105 combatentes no Departamento de Sucre.
O problema, segundo críticos da iniciativa, é que o processo coloca os paramilitares numa espécie de limbo: eles entregam as armas, mas questões sobre o julgamento de crimes que cometeram e o modo como serão reintegrados à sociedade colombiana permanecem indefinidas. Falta um marco jurídico para o processo.
No caso do "Mojana", por exemplo, a maioria dos combatentes deve retornar às suas casas após cumprir as fases de identificação e capacitação previstas pelo governo. Apenas cinco líderes, aos quais são atribuídos crimes graves, foram para Santa Fe de Ralito, no Departamento de Córdoba, a área de exclusão de 368 km2 criada no processo.
Eles ficam ali até que seja aprovada a chamada "Lei de Verdade, Justiça e Reparação", que deve fixar penas e condições de julgamento para os líderes paramilitares -com a garantia de não serem extraditados para os EUA. Para os demais, porém, a situação equivale, na prática, a um indulto.
Tanto que, em alguns casos, criminosos comuns se juntaram às fileiras paramilitares no momento da desmobilização para escapar de eventuais punições.
"Há um risco real de que esse processo de desmobilização deixe as estruturas desses grupos violentos intacta, seus bens adquiridos ilegalmente, intocados, e seus abusos, sem punição", escreveu a Human Rights Watch, uma das principais ONGs opositoras ao processo, em relatório intitulado "Letting Paramilitaries off the Hook" ("Livrando a cara dos paramilitares", em tradução livre).
"Em futuras desmobilizações, outros grupos armados vão esperar receber as mesmas vantagens que os paramilitares", alertou.
Na semana passada, a entidade voltou à carga, desta vez às vésperas da reunião da Mesa de Coordenação e Cooperação, em Cartagena, em que 36 países definiriam o apoio ao processo. "A comunidade internacional não deveria apoiar uma fachada de processo de desmobilização que serve principalmente aos interesses dos líderes paramilitares", disse José Manuel Vivanco, diretor da ONG.
Juntaram-se ao coro os jornais americanos "The New York Times" e "Chicago Tribune", que criticaram em editoriais a "benevolência" do governo. Em carta enviada a Uribe, parlamentares republicanos e democratas disseram que o Congresso dos EUA não aprovará fundos para a Colômbia até que o vácuo legal seja eliminado, garantindo o desmonte total das estruturas dos grupos.

Desmobilização simbólica
"A desmobilização dos paramilitares é relativamente fácil, é quase que simbólica. Mas duvido que essa situação possa se manter", disse à Folha o analista político colombiano Andrés Villamizar.
"Para eles, conseguir novas armas e novos homens é fácil. O grande desafio do governo e da sociedade colombiana vai ser trocar o modelo de segurança privada e ilegítima que os paramilitares representam por um modelo de segurança legítimo e legal, baseado na presença do Estado. Também é preciso substituir toda essa estrutura econômica e social, ligada à coca, por uma que seja legal."
Aí entra o problema da reinserção social. "O governo pode chegar até o ponto de dar-lhes capacitação, mas no fim das contas vai depender do setor privado e da sociedade acolhê-los. E alguns levam 20 anos lutando", disse.
Os representantes dos países reunidos em Cartagena resolveram dar aval ao processo, mas não sem novas pressões. "Paz é o que queremos, mas há condições para consegui-la: que tenhamos um marco jurídico sério, equilibrado e que não permita a impunidade", disse o representante da Comissão Européia, Eneko Landaburu, à agência France Presse.
"Foi surpreendente. A expectativa era que a reunião fosse um fracasso total, que houvesse uma nota negativa, mas houve apoio, contra todos os prognósticos. Mas eles vão ficar em compasso de espera", disse Villamizar.

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