São Paulo, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2006

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MISSÃO NO CARIBE

Ex-presidente, René Préval defende presença da ONU com mandato modificado e propõe governo de transição

Favorito defende que missão fique no Haiti

Jorge Araújo/Folha Imagem
O ex-presidente René Préval, primeiro colocado nas pesquisas para a Presidência do Haiti


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Líder em todas as pesquisas eleitorais, o ex-presidente René Préval, 63, (1996-2001) aposta na vitória ainda no primeiro turno das eleições presidenciais, que ocorrem amanhã após quatro adiamentos e em meio a um clima de desconfiada tranqüilidade.
Em entrevista à Folha anteontem à noite, Préval disse que pretende "fazer um governo de transição" e que não impediria a volta do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, que deixou o país em fevereiro de 2004 após violentos protestos. Para muitos analistas, o fim do exílio na África do Sul deixaria o país novamente à beira de uma guerra civil.
Os dias que precedem a eleição têm sido considerados calmos pela missão de paz da ONU (Minustah). As tropas brasileiras, responsáveis por parte da capital, Porto Príncipe, não registraram nenhum incidente grave nos últimos dois dias.
Já os organizadores têm tido bastante trabalho para distribuir o material eleitoral. Dezenas de mulas foram contratadas para vencer regiões montanhosas de difícil acesso. Na base militar brasileira, funcionários da ONU trabalhavam à noite dentro de uma barraca plástica, iluminada apenas pelos faróis de um carro.
Leia a seguir, a entrevista de Préval à Folha, em sua casa, na região nobre de Porto Príncipe.
 

Folha - O sr. acredita na vitória no primeiro turno?
René Préval -
Sim, há pesquisas que nos dão 60%, 65%. Não sei qual é a confiabilidade dessas pesquisas, mas, quando vejo o fervor da população, o número de pessoas que vem me escutar, eu penso que é bastante possível.

Folha - Quando o sr. se tornou presidente, havia uma missão da ONU no Haiti que saiu durante seu mandato. Agora, há uma nova missão. O que esta missão tem de fazer para evitar a repetição desse ciclo?
Préval -
A pergunta é: o que os haitianos devem fazer para evitar uma nova missão? Acredito que sobretudo os haitianos devem fazer alguma coisa em vez da ONU. Isso quer dizer colocar o país sob um caminho de estabilidade para evitar mais uma missão no Haiti. Se ganhar, pretendo fazer um governo de transição nesse sentido.

Folha - Quais foram então os erros cometidos pelos haitianos que provocaram a nova missão?
Préval -
[Pausa de 20 segundos] Vou dar a minha opinião: fui contra a saída do presidente Aristide. Isso não quer dizer que estivesse o apoiando. Mas penso que é saudável que um presidente termine seu mandato. Agora, a Minustah está aí e tem de permanecer. Vamos pedir a prolongação da Minustah com um mandato modificado. São necessários menos militares e mais policiais porque não estamos em guerra. É necessário reforçar a polícia e a Justiça -a polícia é apenas uma auxiliar da Justiça. Temos de atrair investimentos estrangeiros ao Haiti, para as pessoas trabalharem em paz.

Folha - A Minustah intensificou as relações entre o Brasil e o Haiti. O que esperar dessa relação?
Préval -
Acredito muito na cooperação Sul-Sul. Acredito que países como o Brasil e a Venezuela são muito mais próximos como modelos de desenvolvimento e podem compreender melhor um país como o Haiti.

Folha - O sr. tem origem na esquerda, e hoje há uma onda de governos de esquerda na região. O sr. foi um dos primeiros ou pode se tornar o último dessa onda?
Préval -
É muito perigoso colocar etiquetas, não? Não sei se sou o primeiro ou o último. Estou determinado a ajudar o povo haitiano a encontrar educação, saúde, trabalho. Se isso é ser de esquerda, tudo bem.

Folha - Hoje [sábado], o sr. faria o encerramento de campanha, mas cancelou alegando questões de segurança. O que ocorreu? Houve segurança o suficiente na campanha?
Préval -
Durante toda a campanha, fomos atacados verbalmente. Fomos acusados de tudo: de seqüestradores, de ter financiamento do narcotráfico etc. Mas essa campanha de agressão assumiu uma forma física: tivemos uma tentativa de incêndio, três caminhões nossos foram destruídos em Gonaives, fomos impedidos de entrar numa cidade. Em vez de nos expormos, preferimos cancelar o comício porque havia informações sérias sobre a possibilidade de um ataque.

Folha O sr. tem alguma crítica à atuação da Minustah?
Préval
- Não gosto de criticar a ação dos outros. Creio que a resposta mais pertinente é colocar a seguinte questão: o que teria acontecido se a Minustah não estivesse aqui?


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