São Paulo, sábado, 06 de março de 2004

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Aiatolá é o maior obstáculo político para os EUA

DO "INDEPENDENT"

Aos 75 anos, o recluso aiatolá Ali al Sistani é hoje o homem mais poderoso do Iraque. Os fatos desta semana mostraram claramente a importância desse clérigo que, em janeiro, levou mais de 100 mil manifestantes às ruas de cinco cidades iraquianas para exigir eleições diretas -e, mais importante, orientou-os a voltar pacificamente para casa, com a facilidade de um estalar de dedos, quando conseguiu o que queria dos EUA.
A morte de 181 peregrinos xiitas em atentados na última terça-feira poderia ter detonado uma guerra civil, mas o aiatolá rapidamente abafou qualquer desejo de retaliação. Com a mesma facilidade, boicotou ontem a assinatura da Constituição interina.
O que fica claro após esses episódios é que Al Sistani é o maior obstáculo político encontrado pelos EUA no país até agora. Em pouco tempo, o aiatolá já forçou Washington a redesenhar duas vezes seus planos para o país.
É por causa dele que a Constituição permanente será escrita por uma Assembléia eleita democraticamente, não promulgada às pressas antes da transição. Também é por causa dele que a ONU foi chamada para avaliar a viabilidade de realizar eleições diretas no país e assumiu um maior papel na reconstrução.
Com sua longa barba branca e seu turbante preto -que indica descendência de Muhammad-, ele pode trazer aos americanos a lembrança do aiatolá Khomeini, que liderou a Revolução Islâmica (1979) no Irã, reintroduziu a teocracia no Oriente Médio e se tornou, na época, um dos maiores inimigos dos EUA. Mas, embora os dois tenham nascido no Irã e estudado juntos em Najaf (sul do Iraque), ninguém espera que Al Sistani siga Khomeini.
Um dos únicos cinco grandes aiatolás ainda vivos no mundo -nos últimos meses, outros clérigos iraquianos poderosos acabaram mortos-, Al Sistani é adepto da discrição. Afinal, foi em silêncio e longe da política que ele passou os 24 anos da ditadura de Saddam Hussein.
Nos primeiros meses da ocupação, esse período parecia ter lhe dado certa maleabilidade: sua resposta inicial à invasão foi que "os crentes não devem atrapalhar as forças libertadoras, mas ajudá-las a combater o tirano". O que os americanos não perceberam é que ele também recomendou aos iraquianos que, após essa luta, perguntassem às forças libertadoras quando elas deixariam o país.
Mais atenção os faria perceber que Al Sistani recebe milhões de dólares em doações, controla escolas, mesquitas, clínicas e outras instituições de assistência social e que, logo após a invasão, sua crítica aos saques fez com que eles acabassem nas regiões xiitas.
Outro sinal de que o aiatolá se planejava para o longo prazo: embora recebesse com freqüência o Conselho de Governo Iraquiano e o representante da ONU no país, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello (morto em um atentado), ele sempre recusava encontros com autoridades dos EUA.


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